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“I can’t breathe”

Nestes tempos de pandemia, em que assistimos ao poder de contágio à escala mundial de um vírus, o caso George Floyd, com o seu “i can’t breathe”, saltou igualmente fronteiras e tornou-se um símbolo da luta contra o racismo, injustiça e opressão, que reverberou por todo o mundo.

O “não consigo respirar” é um estado que os psicanalistas conhecem bem. Desde logo quando os pacientes procuram ajuda por causa de uma crescente ansiedade que oprime o peito e a garganta, tornando a respiração presa, superficial, ofegante.

Mas também quando os pacientes, aos poucos, frequentemente em surdina, começam a falar de situações que oprimem e asfixiam.

Podem ser relações com cônjuges, patrões, pais, amigos, instituições, comunidades, poderes vários, em que uma parte (pessoa, grupo, ponto de vista) ocupa uma posição hegemónica em relação a outra, e não aceita a diferença, ou trata-a como inferioridade.

Nestas circunstâncias, a outra parte pode sentir-se “sugada”, “esmifrada”, dando tudo o que tem, na tentativa de agradar e corresponder, mas recebendo de volta a mensagem de que o que dá não é suficiente, “not good enough”, é preciso mais, sempre mais.

Ou então, pode vislumbrar que afinal até tem algo de válido para dar. Simplesmente, esse outro parece ressentir-se disso, colocando-se numa posição de superioridade que o ignora.“O que podes dar-me se sou melhor e acima de ti? Eu também sei, também faço, também sou… ”

O resultado final é o mesmo. Não há espaço para dois, para o reconhecimento mútuo, na diferença, em igualdade. Só um, autoproclamado superior, pode reinar, brilhar, dominar. O outro, para sobreviver, tem de se apagar e submeter, aceitando uma condição de inferioridade. Abafado.

A necessidade de identificar e de lidar com o que abafa, é muitas vezes o que mobiliza as pessoas a procurar ajuda. E “desabafar “não é coisa pequena. Pode dar início a revoluções.

Freud criou um dispositivo que permitiu que pessoas habitualmente silenciadas pudessem falar, em associação “LIVRE”. E deu de caras com situações abusivas, traumáticas, reprimidas (abafadas) mas que se exprimiam através de sintomas, sonhos, lapsos, actos falhados.

Com Ferenczi aprendemos que o abuso predatório é geralmente bifásico. A um primeiro momento de abuso segue-se um segundo em que a culpa é atribuída à vitíma: “A culpa é tua por eu ter agido assim”.

Por isso é tão difícil libertar-se de relações abusivas. A cada passo assalta a dúvida, a culpa, a desconfiança de si. “Ele agrediu-me porque eu o magoei; forçou-me porque o seduzi”.

Tem sido observado que na base da cosmovisão moderna está um discurso de domínio sobre o outro. A verdade demonstra-se pela capacidade de dominar, isto é, de prever, manipular e controlar o objecto de conhecimento e de conquista. Assim, espera-se que o homem domine sobre a natureza, a mente sobre o corpo, a ordem dominante (habitualmente ocidental, rica, masculina, heterossexual, branca) sobre a ordem subjugada (mulheres, crianças, os mais pobres, menos escolarizados, pessoas de cor, terceiro mundo).

Acredita-se que está em curso uma mudança de paradigma que reconhece de forma crescente que somos mais interdependentes do que julgamos. A humanidade depende da terra, os ricos dos pobres, e assim sucessivamente, quer falemos de classe, cor, género, idade ou crenças.

Também se reconhece cada vez mais que a ética, o modo como lidamos com os seres que encontramos no mundo, não é menos importante do que o conhecimento factual, científico e tecnológico.

A psicanálise tem contribuído para esta mudança de paradigma. A compreensão de que o espirito humano se enraíza no corpo, na cultura, na vida relacional e no inconsciente ajudou a destronar a ideia de uma razão que tem o completo domínio de si e por isso tem o direito de dominar sobre outros.

O seu método afasta-se do ideal de engenharia do comportamento e das tecnologias de manipulação. Identifica-se antes com o ideal da busca da verdade, uma verdade que não é concebida como domínio mas como respeito, abarcando o respeito pela realidade interna, emocional, inconsciente.

O inconsciente não conhece a mentira. Encontra sempre formas de denunciar o que oprime. Aceder à sua verdade, escutando-o, liberta. 

Imagem: fotografia de Cooper Baumgartner

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