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Reencontro(s)…Havemos de nos ver outra vez!



Num curto trajeto de motorizada a caminho da oficina acontecem, em associação, três outras viagens. São daqueles momentos, e logo três, que o pensamento tão generosamente nos oferece.


À minha frente no vidro de um carro funerário a palavra: reencontro. Começa por ser uma palavra poética e bonita para se dizer da separação da morte, um conforto para o sofrimento de quem fica, pois, o reencontro parece que é para quem parte. Acelerar a motorizada, acompanhar o dito carro, está vazio, sem morte. É melhor mudar-se de direção. Mas que tempo será este que não aceita interrupções, paragens, separações? Tudo parece ininterrupto, uma linha reta em que não há separações mas sempre reencontros. Agora essa palavra escrita no frágil vidro perdeu a sua beleza e significado, é uma mentira.


Um avião sobrevoa a poucos metros de altura pois está prestes a aterrar. Outra palavra aparece: férias. Alguém está a regressar de férias, alguém partiu de férias. Parar, sinal vermelho. Afinal, há separações, interrupções, um ciclo da vida a acontecer. Avançar, sinal verde.


A terceira viagem que agora surge é para o espaço criado entre o analista e o analisando, talvez fosse melhor chamar a esta viagem: o terceiro. Do divã saem, de todas as maneiras possíveis, lamentos, protestos e silêncios, pela interrupção das férias que se avizinha. O tempo é cíclico, é bem verdade, mas nas separações há a possibilidade de reencontros dentro de nós que podem tornar o tempo ininterrupto. Não há mentira no reencontro interior, pois lá tudo é real e autêntico, e é o que torna possível que a análise nunca se interrompa e que a ausência se torne presença. Os lamentos, os protestos e os silêncios não são os de agora, mas os que o tempo não apagou e os deixou presentes em forma de memória presente do passado. Quanto à análise ela será a memória que no futuro permanecerá nesse presente, pois a do outro passado mais antigo já não existirá a mesma memória.


A viseira do capacete está concertada, vê-se agora melhor o caminho. Quanto tempo demoraram estas viagens? Para Peter Handke (1): “A duração foi um sentimento, o mais fugidio de todos os sentimentos, que passa muitas vezes mais depressa que um instante, imprevisível, impossível de dirigir, impalpável, imensurável.”, para Ana Mónica Dias (2) :“Os eventos sucedem-se na nossa história de vida e a nossa perspetiva temporal sobre eles vai sofrendo transformações, ressignificações, num estado psíquico infinito de atribuição de sentido para a nossa existência como indivíduos e como elementos constituintes do universo.”

E fica a letra da canção (3): havemos de nos ver outra vez… depois das férias.


Boas férias!



Referências:

(1) Handke, P. (2020). Poema à Duração. Assírio & Alvim. (Obra original publicada em 1986.)

(2) Dias, A.M. (2022). A temporalidade em Psicanálise. Revista Portuguesa de Psicanálise, 42(2), pp. 26-32.

(3) Música: “Havemos de nos ver outra vez”. Letra e música: Teresa Muge. Interpretada por: Amélia Muge (Álbum: Taco a Taco, 1998); e numa reinterpretação mais recente de Camané (Álbum: Horas Vazias, 2021).


Imagem:

Pôr do sol no mar.

Autor: o próprio, em férias.

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