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MãePaiFilho – A televisão culta e adulta

Num Portugal em que democracia e televisão a cores foram contemporâneas, a marca BBC sempre foi sinónimo de qualidade. Nesse tempo do correio escrito e do telefone fixo a dieta televisiva seguia uma prescrição semanal. O mundo mudou muito desde então; l’air du temps traz odores de imediatismo e de urgência, a relação com os écrans desconstruiu os conceitos de público e de privado e a influência entre informação e política tornou-se o assunto. Recentemente a RTP2 passou a série MotherFatherSun, título que aglomera sem espaço para respirar os elementos deste ancestral triângulo.

Freud muniu-nos de uma grelha que lê no humano singular e plural, consagrando à cultura o resgate do caos pulsional originário. Todas as narrativas resumem-se em duas ou três derivações sobre poder, curiosidade, medo, amor, sexo, traição, morte. Mas a beleza e a arte de como cada um, perante as suas circunstâncias reactualiza e supera os seus desígnios, permanece como misteriosa. Herdamo-nos uns aos outros, carregando o legado que procuramos transmitir e esperamos renovar.

Esta série conta-nos o drama de um homem mas também de uma cultura em crise; líder nos media o protagonista que é portador de um narcisismo maligno, manipula a informação negando ou atacando fragilidade e alteridade. Ao mesmo tempo que no plano familiar repete o seu trauma, numa nação outrora imperial e atualmente ferida, exerce influência de forma a que ganhem força movimentos políticos populistas assentes em ideologias totalitárias. Dando visibilidade à injustiça e fomentando o sentimento de desamparo, o apelo ao apaziguamento das necessidades mais básicas tem como preço a supressão das diferenças e, no limite, da liberdade.

Se por um lado, o conhecimento como instrumento de poder e a relação com a autoridade são temas que nos remetem para o paterno, onde a necessidade de reconhecimento fálico e a aprovação são motores vitais do crescimento, por outro lado impõe-se o fantasma materno primitivo numa ordem mental de dependência arcaica, onde o sujeito se move num mundo clivado em que a sobrevivência psíquica se faz às custas de defesas esquizoparanóides e onde a intolerância ao estranho cria ilusão de controlo mas empobrece a mente.

Nos tempos em que vivemos estes aspetos ganham particular relevância. Educar e (in)formar são actos políticos. Verdade e direito à informação, mais do que valores em absoluto, são dimensões que requerem um contexto em que há uma ordem relativa que implica escolhas e responsabilidades.

Nesta série a narrativa estabelece-se como metáfora que intercepta o conflito tanto pessoal como coletivo. A ideia de que a autonomia é uma tarefa do sujeito cuja conquista subentende a aceitação, a elaboração e a superação dos laços primários, pressupõe a qualidade do investimento do objeto na construção desse mesmo laço. À abnegação do amor incondicional ligam-se o erotismo do casal parental e o interdito como função protetora e estruturante. Adormecemos as nossas crianças mas também a criança em nós abraçados ao bom objeto protetor porque inteiro. Esse bom narcisismo dos pais admite a diferença como condição de crescimento, em abertura à potencialidade criativa representando tanto a ligação como a separação. O triângulo por si só não é garante da função mental de “terceiro” a menos que essa constelação contenha amor, frustração e liberdade. E tempo! Esse tempo que é o da espera mas também o da esperança.

A vida acontece nos espaços por preencher. Mãe-Pai-Filho é uma equação que pressupõe presença e ausência, lugar para o novo, traduzindo na sua expressão angústia, conflito e mudança.

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