Na pobreza ideativa e na fragilidade que os subsola, os Sapiens sempre pensaram que as angústias do “Estranho” e os incómodos do “Desassossego” fariam parte de si. Pensavam até, nas suas mais nobilitantes venturas e desventuras, que seria em derredor de tais desditas que as suas mais diligentes capacidades circulavam, no alcance de as redimir e no prazer de as fluir.
Periféricos e obscuros, desacertados jaziam!
Hoje, todos os oráculos do cérebro e das omnipotências cerebrais, todos os profetas da inteligência artificial, da indústria farmacêutica e da subjectividade normalizada, prometem abolir essas inúteis futilidades.
Enquanto tão magníficas sentenças não transitam em julgado, na consciência do Outro e na tentativa de compreensão dos seus encontros e desencontros, a Psicanálise e a Cultura teimam em desembaciar-lhes criatividades e destinos.
(Desassossego é nome do mais extraordinário Livro que algum dia alguém escreveu em língua portuguesa.
Inesgotável fonte para quem pensa, exemplar desmedido de quem singularmente se projecta, são as nossas próprias estranhezas e os nossos próprios desassossegos que nas suas páginas se prolongam, num conjunto tão intenso, tão íntimo e tão desordenado, que o sentimos como fazendo parte de nós.
Dificilmente alguém resiste à tentação de emendar-lhe os erros, reparar vírgulas, corrigir ortografias, limpar imprecisões, terminar inacabados, como se verdadeiramente participasse naquele insólito filme ou como se inequivocamente se identificasse ao seu incrível guião.
Escrito ninguém sabe por quem (produto da Humanidade?), dizem-no partejado por um anónimo de apelido Soares (Bernardo para os amigos da tasca da esquina) da rua dos Fanqueiros em Lisboa (não seria na Cantareira?) e que teria sido cumprido aos bocadinhos e paulatinamente lançado no fundo de um poço chamado baú, na atitude de quem os seus estranhos desassossegos compensa e recompensa.
Mas o seu enigma persiste, digno das lendas das Bocas do Inferno (não será dos rochedos da Seca do Bacalhau?), alegando-se até que teria sido garatujado muito antes de haver escrita por um extraterrestre das circulares de Saturno, que em memória das nocturnas libações na Terra usufruídas, nos disponibilizou o fabuloso encanto do seu olhar e o inimitável sabor do seu discorrer…
sem outras preocupações, argamassas ou valimentos.)
Na XII Edição dos Colóquios do Porto, em 27 e 28 de Maio de 2022, celebraremos os estranhos desassossegos que tanto nos elevam na poesia, na música, na dança, no cinema, nas Artes, no reconhecimento de que:
só por eles amadurecemos e coexistimos
só por eles nos despedimos das mecânicas opacidades
só por eles nos testemunhamos e livres recomeçamos.
Imagem: Cartaz do Colóquio
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