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Volto já, meu pai

Seres gregários, o desejo de nos ligarmos aos outros é o que nos mobiliza, desde o nascimento. A procura do Outro é um impulso profundamente ancorado na nossa organização psíquica, corporal e visceral e é a qualidade da resposta a esta necessidade primeira que nos garante um equilíbrio biológico e psíquico elementar e a possibilidade de prosseguirmos a vida. O nosso sopro vital. A proximidade e o laço social afectam profundamente a nossa saúde física e mental, desde sempre e para sempre, até ao fim.

A necessidade do contacto humano não diz apenas respeito à infância. A sua carência precoce é a mais grave e a mais profunda, mas sempre que ocorre reactualiza o trauma ou introduz o mal-estar no tecido humano e rompe o equilíbrio somato-psíquico, rasgão que é preciso voltar a tecer, com todo o cuidado e vagar, trabalho que se fará de novo através da relação humana e do laço. Não há outro modo.

São numerosas as investigações que revelam como a ausência de suporte social, a penúria dos laços, o isolamento e a ausência de contacto humano, se apresentam como factores determinantes nas causas de mortalidade e, igualmente, os estudos que mostram como é ainda o laço social, a relação e a proximidade, que tantas vezes nos podem salvar a vida.

Ao longo do último ano vivemos momentos de profundas inquietações e dores, em proximidade ou à distância. Lembrámos e também esquecemos. Como sempre ocorre com o que é humano, a nossa mente suporta o que nos é suportável e elabora o que nos é possível elaborar no momento. Ao longo destes tempos foram vários os isolamentos que afectaram profundamente a nossa saúde física e mental. A privação do contacto e a ausência de proximidade romperam tecidos humanos, reactualizaram traumas, causaram danos e provocaram mortes. E foram também os laços sociais, a relação e a proximidade, que salvaram muitas vidas.

Guardo do ano que passou a imagem do homem que fez regressar, na minha vida adulta, um dos heróis da minha infância: subiu a um quinto andar de um hospital, pela fachada exterior, usando a técnica de escalada por cabos, para estar com o seu pai internado com um cancro. Antes de os seguranças o virem buscar, despediu-se do pai com um abraço,  dizendo-lhe: volto já, meu pai. 

Dizem que estes tempos trazem as gentes mais tristes, mais desenlaçadas, mais zangadas. Não seria de espantar. Pois não é o enlaçamento social o que nos liga, nos anima, nos devolve a alma e nos permite movimentos de transformação expansiva através do encontro ? E o isolamento o que nos aparta, nos deixa de fora e nos exclui, uns dos outros, que nos confina ao mesmo, em saturação, dentro de nós?

Não sabemos por quanto tempo as regras de um distanciamento físico se manterão, mas sabemos que não se poderão eternizar. E não nos iludamos: seja lá como for, será a proximidade social e não qualquer vacina o que nos salvará. 

Imagem: Mark Mellon, Distance 002 , 2021, Oil on Canvas

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