No dia 5 de Outubro, tiveram lugar em Barcelona as VI Jornadas Ibéricas Teórico-Clínicas de Psicanálise. Neste ano ímpar, a organização ficou a cargo da Sociedade Espanhola de Psicanálise, sob o tema “O sentimento de culpa na clínica psicanalítica”.
As Jornadas Ibéricas são o reencontro das Sociedades da Península Ibérica que partilham a mesma matriz histórica, a Sociedade Psicanalítica Luso-Espanhola: a Sociedade Portuguesa de Psicanálise (SPP), a Associação Psicanalítica de Madrid (APM) e a Sociedade Espanhola de Psicanálise (SEP). Nas últimas duas Jornadas contamos com um novo grupo português, o Núcleo Português de Psicanálise (NPP).
As Sociedades participantes apresentaram-se pela voz dos seus presidentes: María Laguna (SEP), Teresa Olmos (APM), Rui Aragão Oliveira (SPP) e Fátima Sequeira (NPP). A forma como o psicanalista elabora e compreende o sentimento de culpa com os seus pacientes, foi a vertente mais presente em todas as comunicações.
O primeiro trabalho com o título “Notas sobre a culpa no psicanalista”, foi apresentado por José de Abreu-Afonso (SPP), quem abordou um caso clínico em que o sentimento de culpa se manifestava através da contra-transferência, com um paciente que desenvolveu uma transferência psicótica, com intensos ataques destrutivos ao setting. A perícia técnica, a sensibilidade clínica e a elaboração do sentimento de culpa contra-transferencial, permitiram a difícil resolução da separação. Uma reflexão profunda sobre o reconhecimento dos limites que um analista deve ter na sua prática, longe da omnipotência. Excelente trabalho clínico assente numa elaboração teórica robusta.
Com o título “Sentimento de culpa. Transmissão geracional”, Gerardo Fraguas (APM) abordou uma modalidade particular da transmissão geracional do sentimento de culpa, cuja origem assenta num facto traumático. A culpabilidade é projetada na geração seguinte e não pode ser simbolizada, e fica inserida na psique como um “corpo estranho”; o que impede a elaboração do sentimento de culpa depressivo. Através de dois casos clínicos, expôs as causas e os factores que intervêm no processo analítico.
Maria Tous (SEP) apresentou o trabalho “A culpa na patologia do conflito e na patologia da falha”, com uma ampla revisão histórica da evolução do sentimento de culpa e de como este conceito foi transformando-se. Através de duas vinhetas clínicas, diferenciou as características da culpabilidade na patologia do conflito e do défice na sessão analítica, com uma clareza extraordinária.
Com o título “Culpa e ideal no horizonte da ilusão”, Fátima Sequeira (NPP) apresentou um trabalho excepcional. A autora nos questiona sobre a função da experiência de ilusão de Winnicott, na elaboração da culpa persecutória e do Eu ideal. Através de dois casos clínicos, em que a culpa persecutória e o ideal – num caso projectado e noutro identificado a um Eu Ideal morto – foram elaborados através do espaço de ilusão na relação analítica, como um espaço reparador da identidade do self. Um integração teórica e clínica brilhante.
Os casos de análise foram apresentados por Marisa Vidaina (APM) e Corina Fernandes (SPP). As apresentações suscitaram um grande interesse e um fecundo debate na assistência. A psicanálise ibérica mostrou ao longo das Jornadas a sua constante renovação no tempo, a sua vitalidade.
Imagem: “O reino dos penitentes“. Ilustração de Salvador Dalí para a Divina Comédia de Dante – Purgatório. Primeiro Canto.
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