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VERÃO, INVERNO, VERÃO


Está a chegar o verão, de um tempo climático novo em que, por vezes, verão, outono, inverno e primavera parecem acontecer num só dia. Mas, por enquanto, as estações vão decorrendo como dantes, lentamente, anunciando a transição.


Faz calor. Uma querida amiga de juventude ligou-me de manhã – chegara ontem de um longo período em Itália e queria estar comigo. Marcamos um encontro frente ao mar, numa esplanada onde, após a pandemia, podemos finalmente sentar-nos juntas.


Vejo-a chegar ao longe, aproximar-se, sentar-se a meu lado e percebo que não é ainda tempo de contar-me o que, naquele país, vivera, pois dentro de si é como se fosse um pouco inverno. Apenas quer rever-me e ouvir comigo alguma música, como habitualmente fazíamos. Estende-me, então, uns phones, que partilhamos, e começa a passar temas dispersos do universo musical de uma violinista que descobrira na viagem.


O sol vai alto – a luz, misturando-se com a nostalgia dos sons – e eu entendo que é preciso esperar que a minha amiga recupere da mudança, que sempre traz uma certa dor associada, decorrente da natureza impermanente de tudo o que existe. Observo-a, na profundidade da cor castanho-mel dos seus olhos, e sei que o amarelo dos trigos, dos girassóis e as cores do verão, poderão reentrar-lhe no dia-a-dia como (até agora) as estações nos dias de todos nós – devagar, para dar tempo de viver.


Recordo o ensaio On transience (1915), em que Freud nos fala de um passeio de verão, em agosto de 1913, que empreendera pelo campo, florido e encantador nessa altura do ano, acompanhado de um amigo poeta, ambos refletindo sobre o tema da transitoriedade. Admirando a beleza em seu redor, mas em face do pensamento de que tudo aquilo está destinado a desaparecer, o poeta não consegue sentir alegria, algo que Freud lamenta, pois considera que a transitoriedade do belo não implica “qualquer perda no seu valor”. Acresce que “uma limitação na possibilidade de desfrutar” aumenta o valor da experiência, tanto mais quanto sabemos que esse valor está enraizado na “significância emocional que adquire nas nossas próprias vidas”.


Tal como o amigo poeta de Freud, a minha amiga estará, porventura, um pouco absorta na efemeridade das coisas, não podendo ainda usufruir da sua beleza e falar-me do que viveu em Itália. Mas, enquanto aqui estamos as duas juntas, acredito, como Freud, que o valor da beleza e das experiências se impõe acima da sua transitoriedade e que, brevemente, a minha amiga poderá entregar-se ao verão. Porque o inverno, esse, é também só uma passagem, por vezes estreita, mas uma passagem.


Bibliografia: Freud, S. (1915). “On Transience”. S.E., 14.


Imagem: Vincent Van Gogh, "Girassóis" (1888)

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