Há uns anos atrás, uma paciente minha, estando grávida, foi internada devido a uma situação que ameaçava a gravidez. Fomos falando ao telefone, até que um dia recebo uma mensagem anunciando-me o nascimento do bebé. Telefonei-lhe e fiquei a saber que tinha nascido prematuro e que ainda corria risco de vida. Escutar a sua angústia foi a minha função principal, mas a dada altura dei por mim a dizer-lhe “vai correr bem”.
De facto correu. O bebé evoluiu bem, saiu da maternidade, foi seguido nas várias especialidades que seguem os prematuros e acabou por ter alta de todas. É hoje em dia uma criança saudável e feliz.
Como é que eu sabia que ia correr bem? Não sabia. Claro que não sabia. A minha frase “vai correr bem” era apenas uma forma de transmitir esperança. Mais tarde a minha paciente veio a dizer-me que aquela frase foi muito importante, sobretudo porque vinha de alguém que ela associava com um sentimento de segurança e confiança. Podia ter corrido mal e não sei como ela sentiria essa mesma frase se tivesse sido o caso. Felizmente não foi.
“Vai ficar tudo bem” é uma frase que vemos e ouvimos recorrentemente durante esta pandemia. E há pessoas que promovem essa frase, criam grupos, põem as crianças a fazer desenhos de arco-íris. E também há pessoas que odeiam a frase e que respondem, “não, não vai ficar tudo bem”.
Não vai ficar tudo bem para as pessoas que morreram ou para aquelas que perderam pessoas importantes na sua vida. Não vai ficar tudo bem para as pessoas que, tendo sobrevivido, ficam com sequelas que as deixam limitadas, provavelmente para o resto da vida. Não vai ficar tudo bem para as pessoas cuja paragem da sua atividade as deixa numa situação financeira desesperada. Não vai ficar tudo bem para aqueles que têm tido vivências emocionais difíceis, às vezes insuportáveis. Não vai ficar tudo bem para todos os que sentem de algum modo esta situação como uma situação traumática, que os deixa desamparados e sem recursos.
Mas nesta situação de enorme incerteza, “ vai ficar tudo bem “ é uma forma de mantermos a esperança e de transmitirmos esperança aos que nos rodeiam. A maior parte das pessoas que a usam têm consciência de que muita coisa pode (e está a) correr mal. Mas é uma forma de, apesar da brutal incerteza que vivemos, mantermos viva a esperança de podermos sobreviver a mais uma crise.
Neste momento em que nos preparamos para a reabertura, “vai ficar tudo bem” é uma maneira de tolerarmos a nossa angústia face à incerteza do que aí vem e face à possibilidade de sermos infetados e / ou afetados em algum grau, direta ou indiretamente. Todos seremos afetados de alguma maneira, só não sabemos como e com que intensidade.
Relembro os tempos em que eu própria estava grávida, de repouso devido a uma gravidez de risco, e que dizia a mim própria “isto vai correr bem”. E correu. Como é que sabia? Não sabia. Mas era a minha forma de manter a esperança, simbolizada pelo bebé que carregava na barriga. Em tempos de incerteza e de angústia, temos que carregar bebés / esperança na nossa mente para podermos prosseguir e enfrentar os desafios que nos esperam.
Imagem: Fernando Botero, “Maternidade”
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