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Uma psicanalista no Parlamento Europeu

Palavras há que, quando nas nossas mentes são evocadas, abrem acesso a lugares internos à beira de se interceptar e de se significar.

Para mim Bruxelas rima com janelas! Através delas espreitam: os bombons de Brel, Hergé com o seu Tintim, o cuco que (não) gostava de couves e… a Europa! Sonho de alguns para a convergência do interesse de muitos.

Rumo a Bruxelas, a viagem é tanto acessível quanto aprazível.

Uma vez chegados, já no interior do edifício do Parlamento Europeu, depois de ultrapassados os necessários procedimentos de segurança, apresenta-se diante de nós uma escadaria em espiral no coração da qual se eleva, serpenteando, uma estrutura metálica de impressionante impacto visual.

Esta escultura, que sugere a dupla hélice da vida, mas também lembra a estória do pé de feijão dos contos de fadas, despertou em mim um conflito estético, inspirando-me e servindo-me como metáfora no discurso que apresentei.

Divido – ou multiplico? – a minha atividade profissional entre a clínica, as funções formativas e científicas na Sociedade e o trabalho que desenvolvo no serviço nacional de saúde, cargo público no Programa Nacional para a Saúde Mental da Direção-Geral de Saúde, onde estou como assessora para a Infância e Adolescência nas áreas de prevenção e promoção.

Neste âmbito temos pesquisado projetos onde investir, elegido ideias a desenvolver, identificado recursos a capacitar, evidenciado boas práticas a divulgar. É este o enquadramento em que se inscreve o evento sobre Saúde Mental no Sistema de Proteção de Crianças e Jovens organizado pelo Parlamento Europeu para o qual fomos convidados.

Encarar este sério problema de cidadania pelo prisma da saúde mental é um acto de coragem e de humildade.

Há um ditado africano que diz que o mundo é herança dos nossos pais a empréstimo dos nossos filhos. Noutro provérbio oriental diz-se que, a estes, apenas podemos dar raízes e asas.

O desafio de procurar estabelecer pontes entre a dimensão subjetiva, conflitual mas profundamente humanista da psicanálise e a intervenção na realidade social é grande e nem sempre evidente.

Eterno debate longe do consenso no seio da própria comunidade psicanalítica, trago à reflexão, sob esta roupagem, o problema da psicanálise aplicada. Sinto-me nesta missão (bem) acompanhada: pelas Direções às tais tenho pertencido, através da aposta feita no Outreach, mas também pelas orientações da atual Direção da IPA, em cuja visita recente a Lisboa Virgínia Ungar, na sua conferência, enfatizou a oportunidade de intervenção social como uma vocação política inerente às sociedades de psicanálise.

Presente no conceito da Europa como um corpo dinâmico, plasmado na escultura pela qual me senti inspirada, a ligação faz-se pelo equilíbrio entre as diferenças através do qual tudo o que se passa com cada uma das partes afeta irreversivelmente as outras, transformando o todo e vendo-se por este transformado. Matriz identitária, é essa utopia que nos guia mas que também nos limita: eleva-nos do chão onde nos encontramos ancorados para, tal como na estória de João, perseguirmos nos céus os nossos deuses tanto quanto fugimos dos nossos demónios.

Move-nos a ideia do encontro, pela oportunidade dos mútuos enriquecimentos nos degraus do caminho que uns vão desenhando para que outros o possam continuar a percorrer. Pequenos passos, cada qual à medida da sua passada, tanto mais que, em boa verdade, o caminho faz-se caminhando.

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