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Margarida Miranda

Um psicanalista no hospital geral: qual o lugar?


Quando iniciei o meu trabalho no hospital, habituada ao tradicional contexto de consulta, questionei-me sobre qual seria o meu papel e qual o lugar de um psicanalista num hospital geral.

Pensamos em psicanálise e imediatamente surge a ideia de um divã em contexto privado de consultório. O psicanalista no hospital trabalha num contexto diferente, institucional, com diversas variáveis e condicionantes.


No contexto de internamento de um hospital geral, o setting é diferente do habitual: não há horas marcadas nem gabinete com privacidade. O pedido surge por parte da equipa, e o paciente hospitalizado pode ou não estar informado. Trabalha-se, em enfermaria, em equipa multidisciplinar, havendo interrupções e muita imprevisibilidade, obrigando a grande flexibilidade por parte do analista.


Quem chega ao hospital e nele permanece internado, tem o seu percurso de vida interrompido, suspenso. Perante a descoberta de uma doença grave ou crónica e incapacitante, perante a espera por exames e procedimentos médicos invasivos, perante perda de capacidades/ autonomia, os pacientes vivem estados emocionais perturbados pela ansiedade, pela tristeza e pelo medo do futuro. Fragilizados, muitos estão também profundamente sós nessa espera.


O analista depara-se com o sofrimento físico e mental, inscrito no real, e oferece a escuta e acolhe o subjectivo, permitindo o paciente associar livremente e expressar a sua dor bem como facilitar a aceitação da doença e preparar o paciente para os procedimentos médicos.

O permanecer internado pode dar a possibilidade de reflexão, de fazer balanços e traçar novos sentidos para a vida. Fazem-se lutos e procuram-se novos caminhos, em busca de uma nova identidade.


Nos casos de doença terminal, o analista promove a expressão de medos e angústias que podem ser avassaladores. Por vezes, são feitas retrospectivas de vida que visam o paciente pacificar-se com o passado, com o presente e com as perdas e separações antecipadas.


O setting, no contexto hospitalar, é criado pelo analista, pela disponibilidade para ouvir, escutar e acolher a angústia do paciente, escuta diferenciada da restante equipa que contém elementos com diferentes formações. O papel do analista dentro da instituição é fundamental porque pode fazer o paciente sentir-se cuidado, olhado, considerado e compreendido e por isso, sentir-se menos só.


Apesar do desafio da escuta em condições peculiares, o trabalho em contexto hospitalar é enriquecido pelas partilhas com os diferentes profissionais e compensador pelo encontro privilegiado que permite a humanização dos cuidados diferenciados, contribuindo para um maior bem-estar do paciente.


O analista tem igualmente um papel especial junto dos outros elementos da equipa e pode transmitir um saber diferenciado na prestação de cuidados, acrescentando uma visão menos ancorada no real, enriquecida pela subjectividade e pelo simbólico, transmitindo aos profissionais, que tendem a padronizar o sofrimento, a noção de individualidade.


No hospital, assim como no consultório, o analista usa a sua criatividade e a sua função analítica ao serviço da relação que se quer terapêutica e, por isso, transformadora e geradora de novos sentidos.


Imagem: Margarida Miranda (Claustro do Hospital de Santo António dos Capuchos, Centro Hospitalar de Lisboa Central)

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