Fotografia: João Santana Lopes
Desde que colocaram os projectores na teia, ela apressava-se a chegar. Tinha ansiado por esse dia. Narcisista. Sabia perfeitamente que aquele era o seu trunfo.
- Boa tarde.
E não me respondia.
Mesmo quando a tentava ludibriar com artimanhas, ela serpenteava e retorcia-se para chegar um momento antes de mim. Não a podia controlar. Para onde quer que me virasse, já lá estava, denunciando as minhas hesitações, os meus movimentos, até os meus segredos mais profundos. Aproveitava-se das minhas criações, recusando-se a ser espelho. Deformava-as. Dava-lhes uma consistência que eu não conseguia igualar, como uma silhueta que transforma a prosa em poesia, a narrativa numa história paralela, aproveitando os interlúdios de claridade para se reinventar. Dominava todas as coreografias do mundo num só espaço.
Na noite de estreia, ela ainda lá estava, ameaçando ser protagonista de um papel que não era seu.
O pano abriu. Virei-lhe costas. Numa inspiração amedrontada, disse-lhe adeus baixinho. Já nem a via. Abracei o público com o olhar e fiz dela mera figurante, que apenas guardava o que eu não queria contar.
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