Fotografia: João Santana Lopes
Uma Sombra em Psicanálise
A sombra é um símbolo denso e utilizado de forma múltipla ao longo do tempo. Sendo consequência daquilo que se opõe à luz, é também «a própria imagem das coisas fugidias, irreais e mutáveis» (Chevalier e Gheerbrandt, 1982, p.615). Surge ambígua: objectiva e subjectiva, real e fantasiosa, pragmática e enigmática. Possuindo forma, a sombra não existe por si mesma. Está ligada a uma dialéctica permanente entre a luz e o corpo que a produz, e na sua escura, passiva e permanente presença, presta-se facilmente a ser um instrumento de representação, a uma atribuição de «substância».
Em psicanálise dita «canónica», a sombra não é um conceito válido ou usado comummente. A amena utilização do termo é feita quase sempre a partir de uma das formulações mais citadas — e belas, diga-se — de Freud, presente no texto Luto e Melancolia, de 1917, e que exploraremos mais adiante. Exploraremos o que poderá ser uma possível substância da sombra enquanto símbolo, fenómeno psíquico e criação artística.
A história da sombra como uma história da ausência
Plínio, o Ancião, foi um naturalista romano nascido no ano vinte e três depois de Cristo, tendo ficado conhecido pela única obra que o sobreviveu, um imenso tratado intitulado História Natural. É sua a teoria de que a pintura terá sido resultado da primeira vez em que a sombra humana foi circunscrita por linhas. Stoichita, historiador de arte, estudou a obra de Plínio e sublinha a importância inquestionável de «o nascimento da representação artística ocidental ter sido através do “negativo”: quando a pintura emergiu primeiramente, foi parte do tema da ausência/presença (ausência do corpo; presença da sua projecção). A História da Arte é intercalada com a dialéctica desta relação» (1997, p. 7). Sem essa dialéctica e posteriores desenvolvimentos, Plínio sustenta que a arte da pintura não teria passado de uma linha em redor de uma sombra projectada à luz do sol. Do sol, e não de uma lâmpada nocturna, detalhe importante a reter.
Vejamos como a sombra, no sentido da ausência, está presente num dos mitos originários da arte. Plínio sustenta que um dos primeiros modelos de retrato a partir do barro tenha sido inventado por um oleiro de Sicião, antiga cidade grega, perto de Corinto. Embora existam várias versões deste mito, Stoichita sintetiza-o do seguinte modo: «[Uma] jovem cria uma imagem feita a partir do contorno dado pela sombra [em oposição a uma candeia] com um propósito duplo: lembrá-la do rosto do seu amante que parte para a guerra e exorcizar o perigo em que este está. No momento seguinte, o jovem morre, provavelmente de modo heróico, no campo de batalha […]. Devido à morte do amado, o pai cria um símile em argila [a partir do negativo criado pela filha] cuja função é duplicar aquele que desapareceu. O duplo possui a “alma”, na forma de uma sombra, e um “corpo”, na forma do receptáculo desta alma. Finalmente, o símile de barro torna-se um objecto de culto no templo em Corinto» (Stoichita, 1997, pp .18–19, parêntesis rectos nossos). Aí, terá ganhado significado e utilidade sombrios, no sentido de outro, e seria usado como totem de fertilidade e/ou garantia de prazer sexual.
Notemos que o acontecimento que inspirou assim a primeira figura a ser esculpida foi a partida de alguém amado. A sombra permitiu à filha do oleiro captar a imagem do amante que partia, criando um substituto e, desse modo, conferindo uma qualidade metafísica, um significado adicional, à imagem. Se o mito originário remete para a interrupção de uma relação erótica, uma separação do objecto de desejo, a representação torna-se num objecto de procuração, específico do criador.
A sombra é aqui a imagem de alguém, assemelhando-se a ou pertencendo a um objecto específico. Porém, dado o seu carácter fixo, atemporal, o boneco ganha valor de propriedade, além de um significado intencional. Stoichita refere: «A sombra real acompanha quem parte, ao passo que o seu contorno, recolhido definitivamente na parede, imortaliza uma presença numa imagem, capta um instante e fá-lo durar» (1997, p. 15). É igualmente relevante a característica vertical do objecto, que se afirma erecto, constituindo uma outra função vital deste duplo. Assim, uma leitura possível para o mito passaria a ser a do exorcismo erotizado: a jovem recusaria a ameaça de separação e morte, e aquela imagem substituta ocuparia a ausência, conservando a sua sexualidade e vitalidade. Inclusivamente, sendo o rosto a fonte principal da semelhança com o objecto perdido, a figura do corpo confirmaria a qualidade de outro, de duplo do substituto. A sombra não é o corpo, é sim o outro do corpo, e é a/o artista, no seu clamor, que dará corpo à sombra, injectando-lhe volume e consistência, até temperatura. O corpo constitui-se recipiente com função de abrigo para a alma e os seus afectos.
Este mito contém alguns dos principais elementos das narrativas gregas: sombra, duplo e morte. Na Grécia, como antes no Egipto, as estátuas poderiam, mais do que representar um deus ou uma pessoa morta, substituir a pessoa falecida e retratá-la como estando viva. Para os egípcios, era ka a alma das estátuas que representariam a morte, e a sombra foi a primeira forma através da qual se poderia visualizar a alma, descrita como «uma sombra clara, uma projecção colorida, de qualidade volátil e reproduzindo todas as suas características». Por seu turno, a sombra negra, khaïbit, seria a própria alma do Homem, subsequentemente considerada o seu duplo (Máspero apud Stoichita, 1997). Constatamos que a relação entre as duas variações da sombra é intermutável: enquanto o sujeito está vivo, a sombra é uma externalização do seu ser; quando morre, ka assume-o através da estátua por um lado e da múmia por outro.
A sombra do herói imortaliza-o perante as gerações subsequentes e desmente o inevitável oblívio a que estamos fadados. Para melhor compreendermos como é conduzido esse desmentido, detenhamo-nos no modo como Plínio sublinha a característica nocturna do cenário do mito. A relação entre a sombra e o tempo é ilustrada em oposição à luz que produz essa sombra: se for a do sol, a sombra denota um momento no tempo e não mais do que isso; caso seja uma sombra nocturna, um produto já tecnológico, artificial, a qualidade dessa sombra é removida da ordem natural do tempo, interrompendo o fluxo da continuidade experiencial — mas não da continuidade psíquica. Ao instrumentalizar a sombra, o primeiro artista terá retirado de um negativo o seu positivo; da perda, a continuidade; da morte, inventar vida. E evitar a dor.
O que reside na sombra: Eu e o Outro perdido no Eu
A Psicologia do Desenvolvimento há muito mostra quão crítica é a importância da sombra. O bebé é atraído pelos contrastes (claro-escuro) do rosto humano, muito antes de ver cores e formas. É o rosto o objecto perceptivo fundador das expressões afectivas, como a do amor (Lightfoot, Cole &Cole, 2013).
Já em 1927, o psicólogo suíço Jean Piaget constata que aos cinco anos uma criança demonstra entender que a sombra é resultado de um objecto, e da qualidade opaca desse objecto. Nesta idade, a sombra é descrita como tendo origem numa participação conjunta de duas dimensões, uma interna e outra externa. A um nível, a sombra procederia do objecto, sendo parte dele, e noutro, a sombra viria da noite, de um canto escuro do quarto ou do corredor, etc. Seria só perto dos sete anos que a sombra passaria a ser vista como produto de apenas um objecto. Daí em diante, é considerada uma substância que emana aleatoriamente de um objeto, e só a partir dos oito anos a criança consegue prever onde a sombra irá surgir: na ausência da luz. Paira ainda nesta fase uma lógica «substancialista» perante a sombra. Assim, a criança refere que a luz afasta a sombra e obriga-a a posicionar-se no lado oposto da luz, como se tivesse volição própria. Só aos nove a criança é capaz de compreender que a sombra não é uma substância por detrás do objecto que a produz, removida por acção da luz, tornando-se apenas a ausência desta.
Por seu turno, Lacan, psicanalista francês, sugere que bebés de seis meses dariam indicação de se reconhecerem ao espelho. Assim, desde muito cedo a criança mostra possuir uma capacidade de se representar «situacionalmente». Lacan sublinha que esta representação precede a dialéctica da identificação com o outro, e constitui o reconhecimento do Eu. Mas Piaget reconhece outra coisa. A forma da sombra era um elemento significativo nos relatos das crianças, o que parece implicar que embora a criança possa não se reconhecer na sombra, o que não contraria Lacan, ela reconhece a presença (ou substância) de um outro si-mesmo. Stoichita sugere que talvez seja por isso que Narciso se apaixona pelo seu reflexo e não pela sua sombra, e que no mito de Plínio o objecto de amor da jovem mulher seja vertido para a sombra — por ser Outro. Espelho e sombra são assim modalidades diferentes e contrastantes, não obstante a sua interacção, na relação entre imagem e representação. Um Eu e um Outro representáveis, mas que na sombra parecem confundir-se ou até fundir-se.
Veremos agora outra conceptualização desta questão. Em Luto e Melancolia, Freud introduz uma visão não-unitária da mente, contendo um mundo interno povoado de objectos, investidos afectiva ou libidinalmente, que derivam de relações que o jovem Eu vai estabelecendo, e que têm eles próprios interacções entre si. Seria como se o tecido da nossa mente fosse constituído por espelhos e sombras, e os seus pilares fossem deles forrados. Freud valeu-se desta teorização para pensar no fenómeno do luto, e sobretudo no da melancolia, designação atribuída não só a um estado psíquico em muitos aspectos semelhantes ao do luto, mas que dele difere por não derivar de uma perda real, e sim de um abandono. Fará então uma descrição do conjunto de mecanismos psíquicos que caracterizam a melancolia.
Ogden (2002) indica como Freud redefine ou «reconceptualiza a simbologia humana — ao mesmo tempo vista como universal e primorosamente idiossincrática e específica à história de vida do indivíduo» (p. 125). Isto permite-nos olhar o mito de Plínio e ver a especificidade daquele gesto não apenas como um símbolo geral da perda de um objecto amado, mas como criação artística com um propósito e significado específicos.
Surge uma ambiguidade em Freud: «será que o melancólico tem conhecimento do tipo de importância que o seu vínculo ao objecto teria: “o que [será que o melancólico] perdeu [ao perder o] no objecto?”. Ou será que o melancólico não se apercebe do que perdeu nele próprio como consequência de perder o objecto? A ambiguidade […] introduz subtilmente a importante noção de simultaneidade e interdependência de dois aspectos inconscientes da perda de objecto na melancolia. Uma envolve a natureza do vínculo do melancólico ao objecto, e a outra envolve uma alteração no Eu em resposta à perda do objecto» (Freud, 1917, p. 248 apud Ogden, 2002 pp.126–127).
Um aspecto essencial deste fenómeno psíquico diz respeito à perda de amor-próprio. No luto, o sujeito descreve um mundo que é «vazio e pobre», ao passo que na melancolia é «o próprio Eu», visto como «sem valor, incapaz e moralmente desprezível; ele censura-se, vilifica-se e espera ser rejeitado e punido. Humilha-se diante de todos» (Freud, 1917, p. 246 apud Ogden, p. 127). Começa a desenhar-se uma comunicação entre o sujeito e o objecto que a espaços se confundem: «estes emparelhamentos sujeito-objecto estendem-se para lá do que é consciente para aquilo que é intemporalmente inconsciente». O inconsciente, neste sentido, é um lugar metafórico no qual estes emparelhamentos se dão, envolvendo-se activamente num ataque contínuo do sujeito (Eu) sobre o objecto (uma parte de mim) que esvazia o Eu e torna-o «pobre e vazio» no processo (Ogden, p. 127).
Olhamos assim para um Eu que passa a ser visto como uma estrutura psíquica com componentes conscientes e outras inconscientes («partes»), que se podem dividir ou clivar. Possuem a capacidade de gerar pensamentos e emoções de modo independente e, até, de terem relações inconscientes entre si e gerarem sofrimento. Por consequência, vemos surgir uma utilização animista, como nas civilizações antigas, de objectos que ganhavam propriedades atribuídas a pessoas ou a partes do próprio Eu. Se as podemos verter para objectos, porque não poderiam ficar detidas dentro de nós próprios, ou dentro de partes de nós próprios? Não serão essas as nossas sombras?
Desdobrando-se sobre si mesmo, o melancólico faz acusações que pertencem ao objecto amado. Na verdade, a convicção presente nessas acusações serve para desmentir a ambivalência perante o objecto e o Eu: o primeiro é preservado e o segundo é vilificado, e todo o sentimento de revolta frente à forma como o objecto agiu é suprimido quando este passa a fazer parte do Eu. Freud enquadra o processo nesta crítica passagem:
«Uma escolha de objecto, uma vinculação da líbido a uma pessoa em particular, terá acontecido num determinado momento [para o melancólico]; nessa altura, devido a uma profunda desconsideração ou desilusão vinda dessa pessoa amada, a relação de objecto foi despedaçada. Porém, o resultado não foi a habitual retirada da líbido [energia emocional amorosa] deste objecto e um deslocamento desta para um novo […] [Ao invés,] a catexia objectal [o investimento emocional no objecto] provou ter pouco poder de resistência [pouca capacidade de manter o vínculo ao objecto], e foi levada ao fim. Porém, a líbido disponível não foi deslocada para outro objecto; retirou-se, sim, para o interior do Eu. Nesse lugar, [o investimento emocional amoroso que foi retirado do objecto] serve para estabelecer uma identificação do [uma parte do] Eu com o objecto abandónico. Assim, a sombra do objecto cai sobre [uma parte de] o Eu, e este último poderia doravante ser julgado por uma agência especial [outra parte do Eu], como se fosse um objecto, o objecto perdido. Deste modo, uma perda de objecto é transformada numa perda do Eu e o conflito entre o Eu e a pessoa amada [é transformada] numa clivagem entre a actividade crítica do [uma parte do] Eu [que mais tarde será designada o SuperEu] e [outra parte do] o Eu alterado por esta identificação (Freud, 1917, pp .248–249 apud Ogden, p. 130).
Ficamos com um paradoxo entre mãos: para o melancólico, o objecto perdido é preservado sob a forma de uma identificação com ele. Aquilo que altera o Eu não é o «brilho» do objecto, mas a sua «sombra». Freud usa a metáfora da sombra como um mecanismo negativo, à imagem da jovem grega, sugerindo que a experiência do melancólico, ao se identificar com o objecto perdido, é vivida de forma binária e acidental, em oposição ao que poderia ser uma identificação mais robusta e assumida, porventura até consciente. Tal acontece devido à dolorosa experiência da perda produzir um «curto-circuito, […] desmentindo a qualidade separada do objecto: o objecto sou eu e eu sou o objecto. Não há perda; um objecto externo (objecto perdido) é substituído de forma omnipotente por um objecto interno, o agora Eu-identificado-com-o-objecto […] [e por um outro objecto interno] clivado, parte desse Eu (o agente crítico) que se mostra zangado e acusador» (Ogden, p. 131).
Tudo em nome do evitamento da dor da perda, como um acordo com o diabo, que nos faz lembrar o conto de Adelbert von Chamisso, Peter Schlemihl. Nesse conto, um enigmático homem vestido de cinzento (o demónio) promete oferecer uma bolsa de infinitas moedas de ouro a um jovem miserável, em troca da sua sombra (a alma), promessa que o livraria do sofrimento. O objetivo é logrado por via do desligamento de uma parte significativa de si mesmo, e da realidade externa. As pessoas afastam-se do jovem Schlemihl por lhe estranharem a ausência de sombra, isolando-o na sua aparente e vazia opulência. No mecanismo intrapsíquico descrito por Freud, o melancólico renuncia a uma parte substancial da sua própria vida, uma vida emocional tridimensional no mundo dos objectos externos reais. A condenação subsequente é uma vida vivida dentro de um mundo interno que se sobrepõe ao externo, poderosamente moldado pelo desejo de manter cativo o objecto através de um substituto imaginário: no conto, o ouro e com ele a pretensa omnipotência; internamente, a parte do Eu que acaba identificada com (mas também refém de) esse objecto perdido. A internalização do objecto aprisiona-o, e, por sua vez, o melancólico ficará condenado a viver essa pena na mesma cela.
Voltando à confusão entre as representações do espelho e da sombra, Eu e Outro, olhemos para o papel da identificação. Freud refere que a chave para a contradição entre a forte fixação ao objecto e o frágil vínculo a ele é a dimensão do narcisismo. Durante o desenvolvimento infantil inicial, encontramos a criança num estado de «narcisismo primário», um estado em que toda a energia psíquica e investimento emocional primário residem e incidem no Eu, objecto único. Nessa fase, a criança irá descobrir e investir o mundo externo sob a forma de uma identificação narcísica, um tipo de vínculo objectal que trata o objecto externo como uma extensão sua. Com o tempo, porém, desenvolve uma estabilidade psíquica suficiente que lhe permite a constituição de um vínculo com o objecto. Esse primeiro vínculo possui ainda uma natureza narcísica, sendo composto de uma deslocação de líbido do Eu para o objecto, conferindo-lhe um estatuto de procurador ou até substituto do Eu, como as esculturas e sombras na antiguidade. Progressivamente, num desenvolvimento saudável, o objecto ganhará uma maior qualidade de alteridade e, com isso, diferenciar-se-á do Eu, passando a existir dois tipos de energia libidinal: a do Eu e a objectal. Deste modo, resume Ogden, passamos a ter «a evolução de uma forma mais madura de amor objectal, e a criança alcança uma capacidade de se relacionar com os objectos que são experienciados como sendo externos a si própria e fora da dimensão omnipotente da sua mente». (p. 136)
Com a sombra na sua mente, o melancólico padece de uma «doença do narcisismo». Freud sublinha ser condição prévia para essa doença a presença de uma vinculação narcísica. Esse registo vinculativo permite a recusa do impacto da perda real, inscrevendo o objecto apenas na realidade interna, e impossibilitando o trabalho de luto. O sujeito agarra-se ao objecto, o amor «fugiria à extinção», mas a condição trágica é que esse amor não é vivido — por não poder ser perdido — e nem nenhum outro. A substituição que ocorre dentro da mente melancólica revoga a apetência relacional com o objecto tridimensional, mortal, decepcionante e irredutivelmente externo. Irá inflectir para um outro objecto, criado internamente, de essência bidimensional, que existe num domínio exclusivamente psíquico, nocturnamente fora do tempo, tão protegido quanto retirado da experiência da transitoriedade. O mundo das relações de objecto externas é esvaziado como consequência desta preservação/privação do mundo dos objectos internos. Um não alimenta o outro, e sobretudo a dimensão interna, desligada do exterior, não aprende com a experiência, não desenvolve novas ideias e, derradeiramente, não sonha.
A sombra é, portanto, uma criação do sujeito perante uma perda vivida como intolerável. E embora possa ter expressão máxima na patologia melancólica, iremos assumir com alguma liberdade que as nossas sombras serão sempre povoadas das perdas, efectivas ou tangenciais, reais ou sentidas como tal. Somos levados a pensar que a criança de Piaget, proponente de diferentes substâncias à sombra que observa, não será necessariamente melancólica. Poderá, sim, estar a fazer frente a uma miríade de diferentes lutos, transições ou descontinuidades decorrentes do desenvolvimento normativo. A confusão entre espelho e sombra será, em certa medida, um reflexo dessa invisível substância, inevitável à mente dinâmica.
REFERÊNCIAS
Chevalier, J. & Gheerbrant, A. (1994). O Dicionário dos Símbolos. Lisboa: Editorial Teorema.
Lightfoot, C., Cole, M. & Cole, S. (2013). The Development of Children. Londres: Worth Publishers.
Ogden, T. (2009). A new reading of the origins of object relations theory. In Thierry Bokanowski (Ed.), On Mourning and Melancholia (pp. 123–144). Londres: Routledge.
Stoichita, V. I. (1999). A Short History of the Shadow. Londres: Reaktion Books Ltd.
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