“Summer has come and passed The innocent can never last Wake me up when September ends”
Billie Joe Armstrong dos “Green Day”
Em setembro, muitas pessoas vivem o fim das férias com tristeza. E mesmo nesta época, em que as férias sofreram o impacto da pandemia, com todas as ansiedades e restrições associadas, isso também aconteceu.
Quem me falou, em primeiro lugar, desta tristeza foi uma pessoa que não saiu do seu local habitual de vida, portanto não está a regressar, com pena, de lugares fantásticos. O que o entristece, no setembro do recomeço, é a experiência da despedida.
Do que nos despedimos, no final do Verão?
Despedimo-nos do tempo desocupado, numa vida habitualmente sobreocupada. Nas férias inverte-se a lógica da vida: a maior parte dos dias é nossa e às tarefas necessárias damos apenas o tempo que sobra de estar com os amigos, a família, a ler, a fazer nada…
Despedimo-nos da vida social mais ou menos intensa, vivida ao nosso ritmo que, para muitos, neste tempo Covidiano, nos permitiu deixar de lado parte das angústias do vírus.
Despedimo-nos dos dias grandes, do ar livre e do calor do Verão, com tudo o que nos traz de possibilidades de convívio, de andar menos vestidos, de mergulhar no mar. E, no Verão deste ano, com muito menos multidões a empatar o nosso caminho até ao mar!
Despedimo-nos de algumas pessoas que muitas vezes só vemos uma vez por ano, no “querido mês de Agosto”, porque estão longe, a vida separou-nos, deixando-nos esta possibilidade boa de nos reencontrarmos no Verão.
Serão estes pensamentos coisa de pessoas de meia idade, interrogo-me?
Mas vem-me à memória a tristeza do final das férias da minha infancia e adolescência, quando voltávamos da estadia anual no campo, em que havia liberdade de movimentos e um grande grupo de crianças, que se iam tornando rapazes e raparigas ano após ano, e que se juntavam apenas ali, no intenso Verão.
Naquela época, para mim, o prazer dos cadernos e dos livros novinhos e bem cheirosos, juntamente com o reencontro com os colegas da escola e os amigos da cidade, eclipsava a tristeza, às vezes mais depressa, às vezes mais devagar, consoante tinha lá ficado, ou não, um pedacinho do coração, entregue a algum rapaz giro.
Agora, na idade madura, o prazer dos reencontros ou dos novos projetos também se vai sobrepondo à melancolia de setembro.
Da minha parte, no recomeço, gosto de ouvir os meus pacientes descreverem como pensaram sobre si no período de ausência, como sentiram que ficou com eles a capacidade de auto compreensão que construímos juntos, gosto de os ouvir falar das suas tristezas, seja pelo fim das férias ou por outras razões, mas também das suas descobertas e das suas conquistas. Gosto de retomar o ritmo das psicoterapias e das psicanálises, em que nos encontramos em níveis de confiança profundos e transformadores.
E ambos os sentimentos, a tristeza das separações e das despedidas das férias e o entusiasmo pelos começos e recomeços que nos traz setembro, são sentimentos que podem e devem ser vividos.
Porque acima de tudo é preciso aceitar e respeitar o que sentimos. Pode ser necessário transformá-lo, claro, mas o ponto de partida para essa transformação é também dar-lhe ouvidos e permitirmo-nos vivê-los.
Esse é um dos trabalhos que se faz na terapia, onde duas pessoas dão ouvidos ao que uma delas sente, seja dor, prazer ou outro sentimento. Foi isso que disse ao meu paciente, revoltado com a sua angústia do fim do Verão: será que pode parar de lutar contra o que sente? Fale-me das suas férias, do que foi bom e da tristeza das despedidas, agora que estamos os dois de volta, quero ouvi-lo falar disso…
Imagem: Carolina Piçarra
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