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Os museus como espaços terapêuticos

Durante mais de 10 anos, como psicólogo de uma IPSS na área da saúde mental comunitária – Grupo de Acção Comunitária -, participei em visitas guiadas a museus, acompanhando um grupo de adultos com diagnósticos psiquiátricos de psicose. Desde as primeiras visitas senti que estar num museu podia constituir uma experiência terapêutica para os utentes e para mim próprio. 

As visitas eram dinamizadas pelo técnico do museu que propunha a todos a contemplação de obras de arte e a criação de um diálogo espontâneo e em associação livre. Como se dissesse, “Agora vamos estar aqui todos juntos a contemplar obras de arte e vamos ver o que acontece.” Face à obra de arte, uns falam abertamente do que sentem, outros inventam histórias, e há quem fique num silêncio sereno. Indagar a obra artística leva cada sujeito a investigar o seu mundo interior, a procurar palavras que exprimam o seu sentir e frequentemente a descobrir facetas suas ainda desconhecidas. Gradualmente vai-se co-construindo uma narrativa como um sonho coletivo, que reflete o impacto da obra de arte sobre o grupo. A exploração conjunta de uma obra de arte faz-me sentir a unidade do grupo, sem, contudo, apagar cada sujeito. A liberdade de expressão convoca a partilha de distintas interpretações e cada sujeito revela o que a arte suscita no seu íntimo. Como diz Orestes Neto, “Quando entramos em contato com obras de arte, o que captamos é uma transformação que fazemos dela, ela é em parte uma criação nossa.”* Por vezes, surgem discursos antagónicos e opostos que se procuram integrar na história criada pelo grupo. Sinto que esta compatibilidade entre visões opostas pode ter um efeito transformador nos sujeitos, já que estimula uma experiência intersubjetiva e a capacidade de representação simbólica – vivências que requerem uma maturidade muitas vezes ausente em situações de psicose. Certas obras de arte têm o efeito de suscitar pensamentos e fantasias em catadupa, criando no grupo uma espiral de associações livres que nos fazem sentir que aquela obra de arte já não é um objeto externo, passando a fazer parte integrante do grupo. Podemos usá-la de todas as formas que quisermos mas, no fim, percebemos que também é a obra de arte que nos usa, estimulando em nós tantos pensamentos e emoções que desconhecíamos.

*Neto, Orestes, “Bion em São Paulo – Ressonâncias”, pág. 128-132, Casa do Psicólogo, São Paulo, 2004

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