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O quarto pilar da formação analítica

Ser analista em formação em tempos de pandemia é um desafio.

Iniciei o meu percurso analítico como candidata da Sociedade Portuguesa de Psicanálise (SPP) ainda em modo presencial durante o meu primeiro ano. No decurso do meu percurso instalou-se a pandemia e a interrupção dos seminários presenciais e a interrupção das sessões em divã. Rapidamente e felizmente, a IPA (International Psychoanalytical Association) e a SPP se organizaram, permitindo a continuidade da formação analítica, das sessões clínicas e das supervisões. Nesta fase, mais do que em qualquer outra, pude vivenciar e “sentir na pele” a importância do que Stefano Bolognini denomina de quarto pilar da formação analítica.

Classicamente a formação analítica é desde a sua origem constituída pela trípoda formação teórica (seminários), supervisão e análise pessoal. Mais recentemente, tem vindo a ser conceptualizado um quarto elemento como vital à formação psicanalítica: as instituições e o grupo de pares. Na sua carta “Em direcção ao quarto eixo”, Bolognini defende que este quarto elemento consiste na aquisição da habilidade para trabalhar com colegas e tornar-se parte integrante das trocas científicas e da vida institucional como uma função constitutiva permanente da identidade analítica. Segundo este autor, as interacções institucionais garantem não apenas a actualização científica mas também o reconhecimento das nossas próprias limitações e a aprendizagem com o grupo.

Poder assistir a webinars conjuntos da IPA e da SPP, em que analistas de todo o mundo e analistas a nível nacional se juntaram (ainda que virtualmente) para poderem partilhar as suas dúvidas, angústias e esperanças durante a pandemia, foi uma experiência simultaneamente contentora, formativa e organizadora. O desejo dos psicanalistas e das instituições manterem o apoio aos seus analisandos, aos seus formandos e simultaneamente se manterem abertos à sua própria “deriva pandémica” e ao crescimento grupal, foi revelador da autenticidade e coesão institucional assim como da importância nuclear do seu papel.

O sentir que fazia parte de algo maior, que analistas e analistas em formação partilhavam os mesmos receios e inquietações e desejos similares de esperança e contenção, mesmo podendo estar em países e continentes diferentes foi fonte de estímulo, confiança e sentimento de pertença a uma casa, uma comunidade. Talvez este quarto pilar organizador seja de facto também essencial na construção de uma matriz analítica. Também o movimento nacional consubstanciado na Linha Vira(l) Solidariedade e os encontros online organizados pela Sociedade permitiram reagir com vida, esperança e abertura a desafios antes inimagináveis. Foram também momentos enriquecedores e confortantes para quem está numa fase inicial da sua formação analítica.

A linha contínua da equação, completada com a supervisão, a análise pessoal e a possibilidade de continuidade da formação teórica, permitiram manter erguidos os 4 pilares da formação analítica, ainda que com roupagens virtuais mas sempre afectivas e nutrientes. O caos e o terror não estavam sozinhos, mas antes contidos, metabolizados e reformulados nestas quatro hélices dinâmicas da formação analítica. Também o feliz encontro entre pares, com colegas candidatos do nosso país e de outros países que conheci ainda em presença e que pude continuar a encontrar online na IPSO (International Psychonalytical Studies Organization) e nos Seminários de Formação, permitiram dar continuidade à integração deste quarto elemento. Que bom a possibilidade destes encontros: em presença, os virtuais, os próximos, os distantes, os nacionais e os internacionais.

É este encontro com a comunidade psicanalítica no âmbito organizacional, institucional e entre pares, que certamente dá forma e sustenta, como um verdadeiro pilar, a casa infinitamente em construção da identidade analítica.

Imagem: Divã de Sigmund Freud (Freud Museum, Londres)

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