José Miguel Wisnik, professor, ensaísta e compositor, termina o seu artigo de opinião publicado no jornal Folha de São Paulo do dia 20 de Março com as seguintes palavras:
“…o real é o poder da realidade quando envolve a todos de maneira incontornável. Real é aquilo que não dá para não ver, mesmo que seja invisível, como um vírus.”
Palavras que talvez, nos esclareçam sobre o óbvio, sem esconder que nem o óbvio pode ser tomado como comum, partilhável e, por isso, securizante.
Na lúcida canção de 1977, mensagem futurista que não exclui a catástrofe ecológica e humana, Caetano Veloso, otimista, deseja o retorno do recalcado:
E aquilo que nesse momento se revelará aos povos
Surpreenderá a todos não por ser exótico
Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
Quando terá sido o óbvio[1]
Saturados por imagens, histórias, estados de emergência e números vindos de quase todo e qualquer canto do planeta, ficamos espantados com o real da obviedade, revelada como raio de luz que ofusca.
O que será do amanhã?
Sem excluirmos possibilidades mais radicais de transformação ou mesmo de normalização, não é óbvio que no desconhecido cenário futuro, o equilíbrio ou o duelo entre a economia e a vida, entre o consumo ilimitado e a convivência coletiva, entre a Res pública e o Privado, determinará o lugar da PESTE nas trajetórias dos viventes nosséculos que hão de vir?
Nós não estaremos aqui. É o real que nos assegura disso mesmo.
Aqui e agora, pensar e comunicar nos resgatam do caracter claustrofóbico do isolamento e, por isso, partilhamos essas palavras.
Freud (1915), identificou a força motriz das pulsões como impulsionadora do trabalho mental e realçou a incontornável ligação entre a psique e o soma. Também a força do REAL (externo), mobiliza-nos de múltiplas maneiras, forçando a procura de caminhos e respostas.
Em última análise (mais outro óbvio?), real é o corpo que é e está no espaço e no tempo.
A propósito do LUGAR, num post do já arcaico Facebook, uma querida amiga geógrafa antecipa os temas das próximas monografias que irão aparecer na Geografia nos próximos anos:
O lugar e o não-lugar pós-Corona;
A descoberta do Lugar pós-Corona;
Globalização vs Confinamento: metafísica da pós-modernidade.
Acrescentamos: O lugar do íntimo transgressor na Era da higiene vigilante.
A psicanálise, na sua clínica e não só, também se tem deparado com a realidade transmutável do Lugar. Tão tangível como imaterial.
O setting – lugar a partir do qual e onde a relação habita e se des-cobre – tem sido impactado.
Assim, desse reconhecimento, as trocas de experiências e o pensamento conjunto sobre os novos lugares, se têm proliferado e criado outros vínculos de subjetivação, não imunes às angústias imanentes da perda de referenciais e das contaminações que o intercâmbio pendular entre os lugares externo e interno pode sofrer.
Prevalência do CORPO ausente na relação terapêutica? Ausência que se justifica exatamente pela proteção sanitária dos nossos corpos que adoecem e que são mortais.
Chegamos a 2020 e pensar o REAL (comum e externo), é, em comunhão com a força revolucionária da solidariedade e a mágica da criatividade, uma realidade imprescindível.
Para tal é preciso, em primeiro lugar, reconhecê-lo.
Março/Abril 2020
[1] Caetano Veloso. Um índio, Bicho. Philips Records, 1977.
Imagem: Inez Wijnhorst, detalhe de gravura.
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