A recente visita à exposição Terra Adentro – A Espanha de Joaquín Sorolla, patente no Museu Nacional de Arte Antiga do Mestre da luz, desencadeou em mim sentimentos de comoção e curiosidade. Este acervo oferece uma perspectiva da sua evolução como pintor, reconhecido mundialmente pela sua técnica única de reprodução de paisagens e retratos.
Joaquín Sorolla Y Bastida (1863-1923) foi um pintor profícuo, pintando em diversas fases até à exaustão e produzindo centenas de obras, tornando-se famoso pela sua arte de reproduzir a luz nos seus quadros. Contemplar a sua pintura faz-nos mergulhar num sentimento de beleza estética comovente: os seus brancos, reproduzidos em múltiplas tonalidades, imprimem o efeito de nos transportar pela maresia e para os ambientes da natureza. O tempo esbate-se, fazendo-nos viver através da tela o sentimento de podermos assistir ao que o olhar do pintor captou. Viajamos consigo, Terra adentro, por veredas e encostas, observamos a faina dos pescadores e não nos cansamos de vislumbrar o que tanto terá feito apaixonar Joaquín Sorolla pelos pedaços de terra, mar, natureza e luz da sua Espanha. Ficamos contagiados pela sua busca e sentimos como que uma demanda por algo que talvez o próprio pintor procurasse. Sabemos que foi contemporâneo e participante activo de um movimento de regeneração da sua Espanha – que em 1898 perde as suas colónias, período histórico conhecido como de “desastre”. Esta perda equivale à perda de uma parte importante da identidade de um país a que, possivelmente, Sorolla não terá ficado indiferente. Ele próprio, juntamente com outros pintores, enceta uma demanda pela revitalização da Pátria, que pode ser interpretada através das inúmeras viagens que empreende pelo país, por lugares na altura tidos como despovoados: Toledo era considerada uma “cidade morta”, como se Sorolla se dedicasse a imprimir vida a lugares perenes. Há algo na sua pintura que comporta uma certa melancolia. Embora múltiplas obras suas apareçam contaminadas de vivacidade, a sua pintura faz-nos contactar com sentimentos ambíguos. Vacilamos entre a exaltação da luminosidade e o que se esconde nas sombras esbatidas. Figuras humanas aparecem sem que nos ofereça a possibilidade de perscrutar os seus traços, apresentando-se como figuras pertencentes à obra e não como seres do real. Somos levados a acreditar que talvez Sorolla não se importasse com tais pormenores, mas permanece a interrogação sobre o que procurava o pintor transmitir nas suas pinturas de luz. Questionamo-nos sobre se a sua demanda em ressuscitar a Pátria perdida não encontrará na sua própria história uma tentativa de recuperação, como se um certo sentimento melancólico permanecesse nos seus traços como testemunhos do objecto perdido, já que também Sorolla vivera uma grande perda: aos dois anos de idade morrem ambos os seus pais, vítimas de cólera. As suas perdas precoces, decerto marcantes, parecem estar presentes no seu traço de pintor, na melancólica luz e sombra, na sua procura pela revitalização da sua Espanha, Pátria perdida – Pai e Mãe perdidos. Com a sua pintura, Sorolla mostra que a beleza estética se encontra para além do belo.
Imagem: Joaquín Sorolla
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