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Louvor de Anne Dufourmantelle

Aos 21 de Julho Anne Dufourmantelle morreu acidentalmente na praia de Pampelonne, Ramatuelle. Tinha 53 anos. Ela que escreveu Elogio do Risco (2011) morreria ao tentar salvar, em mar encapelado, duas crianças. “Quando há realmente um perigo ao qual é preciso fazer face […], há um forte impulso à abnegação, à superação do eu”.

Sem risco a vida não vale a pena ser vivida.

Desconhecida e não editada entre nós, mereceu uma breve e muito justa homenagem de José Cutileiro no jornal Expresso. [Diga-se que, quanto a mim, a sua rubrica In Memoriam é a mais interessante desse jornal].

Escreve, pois, José Cutileiro que Anne Dufourmantelle “foi dos espíritos mais estimulantes da intelectualidade francesa dos nossos dias”. Assim o afirmou também Françoise Nyssen, ministra francesa da cultura, aquando da sua morte: “Grande filósofa, psicanalista, ajudava-nos a viver, a pensar o mundo de hoje”.

Doutorada em Filosofia na Sorbone, com a tese A Vocação Profética da Filosofia, spinozista, ensinou na Escola Superior de Arquitectura de Paris e na Universidade de Nova Iorque, mas o seu ofício mais dedicado foi à psicanálise e à escrita.

Autora de uma vasta obra ensaística e ficcional, destacam-se livros como Inteligência do Sonho (2012), Poder da Doçura (2013), Defesa do Segredo (2015) ou os seus diálogos com Jacques Derrida e Avitat Ronnel.

Exemplo maior de uma psicanálise que ultrapassa as veredas do consultório, dirige a sua atenção para o outro e para o mundo; questiona a relação entre o destino e a liberdade, erigindo-se, pois, como interpretação da cultura e da biopolítica do nosso tempo.

Numa entrevista, em Maio de 2017, ao jornal Libération, de que foi cronista, afirmou:

“Ainda é necessário que as palavras tenham significado”, é necessária uma “capacidade de diálogo que não pode existir enquanto estivermos imersos numa era de grande perversão da linguagem”.

Portanto a sua morte não foi mais do que uma aparição fugidia, um fracasso banal.

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