A jovem Hannah e o seu Natal de 1949.
Hannah, vivia numa família onde há vários anos, os pais não celebravam o Natal. A ausência dessa celebração, era sentida como um interminável silêncio gritante, que projetava uma tristeza, desesperança e sobretudo uma arrogância mortal que berrava: “Não precisamos do Natal, não precisamos do nascimento nem da vida”.
No Natal de 1949, Hannah, com 16 anos, corajosa e assustada, sente que não é mais possível não ter o seu Natal. E assim, no seu quarto, ergue uma árvore, dispõe velas e enfeites que recorta de folhas coloridas.
Naquele Natal, passou os dias junto da sua árvore e lembrava-se dos Natais antigos, os natais da sua infância. Eram Natais ricos e coloridos, com árvores gigantes, muitas velas e presépios com musgo e lagos gelados que pareciam não acabar. Natais com muito afeto. Às vezes, quando se lembrava dos natais da infância, chorava. Chorava lágrimas doces e doídas. Lágrimas pela tristeza de ter perdido a infância. Lágrimas que abriram caminho, para no seu rosto crescer e ser adolescente.
A dada altura, o pai pedindo licença, entra e coloca uma prenda debaixo da árvore, de seguida a mãe faz o mesmo. Grata, Hannah oferece a sua árvore à sala comum. Os seus pais comovem-se. Nesse ano, todos tiveram o seu Natal.
Hannah, ao chorar a perda dos seus natais de infância, revela estar em processo de luto. Luto pela sua infância perdida. Luto esse, que lhe permite aceitar que já é crescida e pode viver a alegria de criar o seu Natal pessoal. Luto que permite aceitar, com gratidão, o afeto dos pais.
Foi Freud, que em 1915 na sua obra Luto e Melancolia, aborda de forma compreensiva, o processo psicodinâmico que visa elaborar uma perda dum objeto de amor, ou outro assim investido. Mais tarde, outra psicanalista, Mélanie Klein, amplifica este processo para as perdas simbólicas. Mas não é aqui o lugar de esmiuçar os conceitos destes autores. Quero transmitir que o processo de luto se aplica constantemente a toda a vida humana, exemplos: o luto de ter pais perfeitos/ser filho perfeito, o luto dos sonhos não realizáveis, o luto da exclusividade do amor da mãe e/ou do pai, o luto da perda duma amizade, de um emprego, dum filho…
O luto é um processo psíquico, constante e absolutamente necessário à nossa felicidade. Permite reinventarmos e reinvestirmos a realidade possível, aceitando que o perdido/impossível se perdeu, e foi dado à memoria profunda e serena.
Este ano de 2020, trouxe a morte a nossa porta de entrada e sem pedir licença, entrou!
Ficámos assim, a olhar para a nossa fragilidade, a nossa finitude, a nossa impotência, as nossas rotinas vandalizadas, o nosso desejo ainda mais condicionado, as nossas prioridades voltaram-se para sobreviver, mesmo que para isso ignorássemos o medo da morte. E, simultaneamente, mobilizamos a nossa esperança, as tentativas de contenção do vírus, de escapar à infeção e de ter prazer com a vida, em tempo de guerra.
Assim, pergunto-me como vai ser vivido este Natal?
Cada um de nós vai ter o seu próprio Natal, encontrar as suas próprias perguntas e os seus próprios sentimentos.
E porque não ter um Natal com árvore (lágrimas, emoção, alegria e esperança)? A Hannah assim o fez!
A todos uma belíssima árvore de Natal.
Imagem: fotografia do autor
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