De que paredes é feita uma casa? De que somos feitos? E o que permanece em nós na ausência?
Na avenida ergue-se um prédio e no seu último piso uma casa. Abre-se a sua porta, pesada e imponente, para dar lugar a um espaço de liberdade e tão simples quanto a fragilidade humana. As suas paredes ora aprisionam, ora envolvem, ora separam, ora juntam, e muitas vezes nem existem. E sentados numa cadeira e deitados no divã, analista e analisando transformam o espaço físico no inconsciente comum analítico.
Então, o teto torna-se céu azul ou nuvens cinzentas, e às vezes chove…Os corpos ficam gelados, desconfortáveis, ensopados de água até chegar o sol primaveril ou de verão. As paredes já chegaram a desabar, um verdadeiro terramoto, mas essa casa reconstrói-se vezes sem conta, anos a fio, tijolo a tijolo, ela está viva! É uma casa exatamente igual à casa que cada um de nós tem dentro de si a cada momento da sua vida. E um dia, essa casa anuncia que a sua porta se fechará para sempre. O seu interior vai-se despindo do que é visível, o elevador teima em não querer levar mais ninguém para o alto do prédio, e transferencialmente surgem novas memórias de casas que cada um já habitou e teve que abandonar. Nesse momento, mais do que nunca, a casa passa a ser palavra nas sessões: casa da infância que já não existe mais, um palacete renascentista esplendoroso idealizado, uma catacumba, um grande negócio imobiliário… Angústias mais primitivas aparecem nas sessões e tomam conta da casa. Há quem abandone a casa antes dela os abandonar, há quem queira prolongar o tempo das sessões para adiar a despedida, e os quadros das paredes será que permanecerão na nova casa? A casa começa a transformar-se em memória, introjeta-se, e assim é possível uma despedida pois a ausência tornou-se presença.
Caminho pela última vez ao longo do corredor. Casa praticamente vazia. Dirijo-me pela última vez à porta que não voltarei a abrir. Mas uma luz, vinda das salas comuns a todos nós, adia a minha saída. E estes espaços, agora memória de uma biblioteca e sala de reuniões, deixam ver, pela primeira vez, a existência de duas varandas. Abro as janelas, o vento percorre a minha face e contemplo a vida! Que bom, já sinto uma nova casa…
De que paredes é feita uma casa? De que somos feitos? E o que permanece em nós na ausência?
Texto inspirado na letra de uma canção: “Il Cielo In Una Stanza”, de Gino Paoli.
Imagem: Fotografia da janela da antiga biblioteca da Sede da SPP na Avenida da Républica.
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