Fotografia: João Santana Lopes
O que está sempre em causa é uma oposição onde se reencontra a passagem da compressão à explosão. Os caminhos mudam, a violência é idêntica, inspirando simultaneamente horror e atracção.
Bataille (1957), a propósito da beleza
O deslumbramento surge com a beleza dionisíaca da sedução, da destruição, da alegria do aniquilamento.
A Dança tem essa particularidade de nos (co)mover. Os corpos que se movem tornam-se no corpo único que me move.
É graças à intensificação das sensações «diversas» que a criação artística pode ter lugar e, reciprocamente, a energia criadora torna a vida apreciável.
O artista possui a capacidade de utilizar a sensação como uma consciência, como uma metacapacidade que altera a qualidade da percepção; o artista percepciona activamente e não passivamente.
Mas qualquer representação é sempre uma forma incompleta. A estética, a arte da criação de formas, é um modo que admite a impermanência e aceita esse devir contínuo e indefinível, dotando o homem de plasticidade suficiente para o acompanhar e evitar ser arrastado pela corrente, através do disfarce e da metamorfose, como quem brinca com a morte.
Perante o reconhecimento de que a vida é definida como um conflito incessante de forças contraditórias, a unidade possível — do Eu, da Arte, da sociedade — implica também um reconhecimento de que a dissonância está ela própria na essência das coisas.
O sentido estético permite lidar com o não-ser, o feio, o falso, o mau, a ausência de forma, com a ausência e o defeito, o incompleto, o triste e o doloroso.
Seja como for, as aparências são símbolo, e, consequentemente, a linguagem, que simboliza as aparências, jamais poderá exprimir a realidade em si mesma.
Se o infinito devir é a causa primeira do mal, ele apresenta-se na arte como alegre esperança da perda do predomínio da individuação, isto é, de toda e qualquer representação tida por verdade, pelo «em-si». Numa apologia da afirmação vital, o estilo artístico pode ser entendido como subjugação estética do terrível, produtividade incessante que, em oposição ao carácter decadente quer do moralismo, quer da arte pela arte, permite a transfiguração e experimentação de qualquer tipo de vivência.
O êxtase é, antes de mais, a emancipação orgíaca das relações sociais e naturais, um sentimento trágico. Êxtase que se exprime sobretudo na dança, numa concepção do homem não tanto enquanto artista mas como obra de arte da natureza, na exaltação da qual o elemento subjectivo se esvai num completo esquecimento de si próprio. A febre da paixão está próxima da morte e é amoral.
A propósito do esquecimento, por meio da interpretação de Deleuze (1962) descobrimos que o esquecimento funciona, neste contexto, como força activa e positiva, factor que permite reconstituir a cada instante a frescura, fluidez e leveza da experiência, tornando a consciência um órgão isento e capaz de reagir efectivamente à excitação presente. Assim, disponível para o presente, o sujeito não é mais uma entidade, mas um corpo preparado para o movimento multiforme de que é também motor, não apenas receptor; é sujeito de estimulação e o próprio estímulo simultaneamente.
O ponto de partida é então um ponto de superfície. Ver através da Dança, do desenho dos corpos, os contornos da paisagem mítica e o movimento da aparência, à boa maneira dos clássicos: «Estes Gregos eram superficiais… por profundidade!» (Nietzsche, 1986).
Referências:
BATAILLE, Georges (1957), L’Érotisme (Trad. João Bénard da Costa, O Erotismo, Lisboa: Edições Antígona, 1988).
DELEUZE, Giles (1962), Nietzsche et la philosophie, Paris: Presses Universitaires de France.
NIETZSCHE, Friedrich (1882), Die Fröhliche Wissenschaft (Trad. Alfredo Margarido, A Gaia Ciência, Lisboa: Guimarães Editores, 2000).
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