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Cristina Farias Ferreira

Cinema Novo, Sempre.

Estreia em março o filme de Eryk Rocha, Cinema Novo, com o mesmo nome do movimento surgido nos anos 60 no Brasil, tendo já sido inaugurado no film & media festival Porto/ Post /Doc (2016).

Premiado em Cannes, o filme é composto exclusivamente de inúmeros fragmentos – imagens de arquivo, filmes e depoimentos realizados naquela altura pelos próprios cineastas falando a respeito do Cinema Novo. Entre eles encontramos Glauber Rocha (expoente do movimento e pai de Eryk), Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra entre outros. Eryk considera  o coração do filme  a montagem,  tendo sido influenciado pelo construtivismo russo dos anos 20. Assim, se  o diálogo entre os filmes do Cinema Novo é marca do movimento, neste  Cinema Novo a  admirável  montagem de Renato Valone fazem a sucessão dos planos criar novos sentidos, um ritmo próprio e uma poética que envolve o espetador nesse diálogo íntimo de sons e imagens.

Olhando para trás Eryk diz ter querido falar da atualidade para se poder continuar seguindo em frente sem idealizações, mas antes como possibilidade de entendimento daquilo que se é e da possibilidade dum vir-a-ser.

Os primeiros minutos do filme iniciam-se com as cenas finais do Deus e o diabo na terra do Sol – um casal correndo (rapidamente somos remetidos para essa obra prima  de Glauber e para a cena do casal  fugindo   após de se  terem unido no desejo de terem um filho…), a que se seguem outros extratos também de pessoas correndo, até uma explosão que provoca  o desabamento de terra e  culmina na sequência do  nascimento de Macunaíma. Cena esta que aliás se repete em meu entender numa espécie de testemunho/anúncio duma explosão de criatividade, de Mário de Andrade, dos cineastas cinemanovistas, e do próprio Eryk.

Mas afinal o que consideravam ser o Cinema Novo?…  um grupo de gente que já trabalhava em cinema e que queria fazer um cinema diferente, que se integrasse na própria realidade cultural brasileira;  desejo de  fazer filme político que seja também poesia… 

Eryk em variadas entrevistas que deu diz que o seu filme corresponde a  uma declaração de amor aos cineastas que amaram o cinema. Com estilos e inspirações variadas  renovaram a linguagem cinematográfica e fizeram dos cineastas um personagem novo.

O filme termina com o casal do início correndo…. Eros prevalecendo… Desejo de manutenção dum sonho? Será possível? Como criar? ….Eryk parece perguntar-se  para  onde  vai o Brasil  com os seus 45 milhões a viverem com cerca de 4 euros por dia, num mundo em que o umbigo de Trump é do tamanho do globo, num mundo em que se diviniza a  tecnologia.  Para onde vai a esperança?

Se no início anunciou-se o cinema como fábrica de sonhos, despoletando sorrisos e lágrimas, gostaria de  acrescentar ainda a ideia de Bogalheiro (Bogalheiro, J. (2014) – Empatia e Alteridade- a figuração cinematográfica como jogo. Lisboa: Documenta) dos  filmes como objetos subjetivos que nos permitem a loucura de lidar com o mundo que perdemos, talvez algo semelhante ao tremendo choque que representa a perda da omnipotência para a criança já que através do jogo empático (figuração cinematográfica) talvez nos tragam «Uma imprecisa/Coisa feliz)…

Re (visitar) Eryk é manter viva a esperança reconhecendo o lugar em que estamos.

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