Há tempos assisti à apresentação de uma tese de doutoramento de um amigo artista que abordava entre outros temas a relação da ciência, arte, amor e política. No auditório estavam presentes os arguentes, o candidato e uma assistência de colegas curiosos da solenidade do momento.
Fez-se a apresentação e um dos arguentes arrasou a apresentação e a utilidade do trabalho para a ciência, numa crueldade sem precedentes. Os presentes olhavam para o chão não sei se bloqueados pelo murro do que sentiram ou se por um acto colectivo de solene cobardia. Mas afinal o que seria a verdade cientifica e a mentira? O que seria ciência e fraude? Freud dizia que há tantas verdades como grãos de sal num saleiro, e que a verdade é relativa, dependendo do ângulo a partir do qual estivermos a olhar, mas a mentira seria absoluta. Mentira é mentira. O candidato era mentiroso na apresentação dos seus argumentos ou não seria a análise do arguente um acto de ataque narcísico e por isso um acto de redutora mentira?
Veio-me à mente um caso recente onde um grupo de violadores fora condenado à prisão incluindo os que observaram e nada fizeram para o impedir. Enquanto eu próprio olhava para o chão pensava numa série da Netflix -Senses 8 e dum episódio embaraçoso em que um Professor de nome Hernandez dissertava sobre o lugar da arte em que desenvolvia a ideia de que arte é política ainda mais quando se insiste que ela não é, é dialética, enriquece-se se partilhada e empobrece-se quando é possuída e comercializada, é a linguagem do ver e ser visto. Nesse momento da sua fala houve um burburinho na sala e um aluno projecta uma foto daquele professor “apanhado” numa cena amorosa e pergunta ao professor se aquilo é arte? Hernandez pergunta-lhe: Se isso é arte Sr Fuentes? O que é que acha, o que é que vê? Fuentes responde que para ele aquilo é “viadagem”. O professor parou e respondeu: “viadagem”, isso é muito interessante pois é aí que a relação entre o observador e o objeto se inverte e o reciproco se torna verdadeiro, o que é visto revela a figura de quem vê, porque o observador não vê a beleza mas sim a superficialidade, a figura, a confusão, o preconceito, onde se concluiu que o observador vai sempre ver o que ele quer, sugerindo que o Sr, Sr Fuentes na verdade só quer ver viadagem, mas por outro lado uma outra pessoa com um olhar capaz de ver além das convenções sociais e dos seus preconceitos predefinidos poderá talvez observar a imagem de dois homens num momento de prazer, num momento erótico e vulnerável, sem perceber a câmara, os dois conectados ao momento do outro, ao amor, como eu já tinha dito aqui na sala antes, arte é o amor que se revela.
E a Psicanálise é arte? É ciência e faz-se com arte na relação a dois. Foi com amor à verdade que Freud lidou com a exclusão sentida na pele quando passeava nas ruas Vienenses, vivendo o frio do desconforto no virar da cara dos respeitáveis cidadãos ofendidos pela” descoberta” da psicossexualidade, sexualidade infantil e inconsciente. Na Serie “Psi” do canal HBO o psicanalista Carlo Antonini, trazida à cena brilhantemente pela mão do seu criador, o psicanalista Contardo Calligaris aborda o lugar da descriminação e intolerância. No último episódio da série, Antonini faz uma declaração numa igreja, durante uma reunião de crentes que expulsavam um dos seus, com a acusação do pecado de adultério. Após a decisão da expulsão, Antonini olhando calmamente nos olhos dos presentes afirma:
“Viver é tão terrivelmente difícil que nós estamos dispostos a qualquer coisa que dê o mínimo de sentido às nossas vidas no mundo. Então para nos convencer que estamos todos juntos e quentinhos precisamos de jogar alguém fora de casa no frio. Esta cobardia torna as pessoas perigosas e estúpidas, porque uma comunidade que se constrói pela exclusão não vale nada, porque ela precisa sempre de excluir para existir. A verdadeira comunidade, aquela que deve existir, é sobre a inclusão, porque sabe incluir”.
A Humanidade é frágil e a exclusão sempre fez sentir a proteção prometida aos que ficam no silêncio, mas que deixou de o ser com o destapar do Inconsciente Freudiano.
Imagem: Henri de Toulouse Lautrec “Na cama: O beijo”, 1892 (Au lit: Le baiser, 1892)
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