“After Life” (Netflix, 6 episódios), por Ricky Gervais, aborda a dor e a alegria, a esperança, a fraqueza tornada força, e o poder reparador e transformador da relação com o outro. Questiona, de forma brutal, qual o lugar do humano.
“Vida depois da Morte” fala da ressuscitação emocional de um homem (Tony) em depressão após a morte da sua mulher com cancro, da sua dor intolerável, e do morrer por dentro… com humor desconcertante.
No início vemos um homem sarcástico, que desistiu de viver (e desistiu de ser feliz como acontece nos lutos que ficam por fazer), recusando tudo que não a vida plena de felicidade com a sua mulher. Primeiro tentara matar-se, e só não o fez por causa da cadela – a sua segunda relação mais importante! Mas para continuar a viver disse a si mesmo que nada importava, faria tudo o que lhe apetecesse, trataria mal as pessoas, diria as coisas mais inconvenientes, porque já por nada valeria a pena lutar. E teria sempre o suicídio como último recurso.
Sarcasmo escondendo um ser humano a gritar de dor, um bebé que não pode existir sem a pessoa mais importante da sua vida, como tantas vezes vemos no interior dos adultos que entram no nosso consultório.
Se o primeiro episódio deixa um rasto depressivo… nos episódios seguintes vamos assistindo a um gradual renascimento. Aspectos humanos surgem, nas relações que nascem na vulnerabilidade e imperfeição partilhadas, nas fraquezas que nos tornam mais belos e mais próximos. Dor e humor, lágrimas e risos, estão encantadoramente entrelaçados, por mão de mestre.
Remédio para os tempos que correm, onde rapidez, imediatismo, luta pelo sucesso, mostrar-se em selfies e redes sociais, fazem esquecer o que é fundamental. Tony vai renascendo nas pequenas coisas da relação com os outros: o colega de trabalho gordo que tem finalmente uma namorada que o adora na sua imperfeição (“adoro o seu corpo de bebé macio e gordinho”), o drogado, a prostituta (aliás “trabalhadora de sexo”), a colega solitária e a sua moldura vazia à espera da foto de um namorado, a jovem naif que acredita que vale a pena sonhar, a mulher mais velha, viúva, que no silêncio de um banco de cemitério, frente à campa do marido, relembra:
“Não estamos aqui só por nós. Estamos aqui pelos outros. Tudo o que temos é uns aos outros. Temos que nos ajudar a lutar até morrermos.”
“Uma sociedade cresce quando os homens velhos plantam árvores à sombra das quais sabem que nunca se sentarão”
Tony não só ressuscita, transforma-se com e pela sua dor num outro homem, quiçá mais completo do que quando inteiramente feliz com a sua mulher. Também na clínica (e no desenvolvimento) sabemos que é necessária alguma dor para nos tornarmos seres humanos melhores.
Mais do que falar de depressão e de perda, é-nos dito (com muito humor) que o mundo precisa de renascer, de se despojar do acessório, e encontrar o essencial dentro e entre cada um de nós.
A não perder!
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