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A Verdade morreu…no Capitólio

Sou um mentiroso! Cedo aprendi a mentir, antes mesmo de o perceber.

Somos todos mentirosos, isso é uma certeza.

Uns fazem mentiras simpáticas, inocentes, outras mais maldosas, interesseiras e canalhas; outras ainda expectáveis, alguns vão longe demais nas suas mentiras e muitas mentiras nunca são reveladas!

D. Quixote mentia a si mesmo convictamente e Sancho Pança mentia acreditar no seu amo. Cervantes foi (e é) adorado por escrever um romance que nada tinha de verdade, facto inédito até então.

Mentir é o mais natural! Os animais mentem maravilhosamente, porque desejam disfarçar-se, para se defenderem ou atacarem inesperadamente. E até algumas plantas mentem transformando-se intencionalmente. Os Seres Humanos souberam fazer disso uma arte, a arte de mentir.

Mentir não é exactamente o contrário da verdade. Mentir exige criatividade, enganar e gerar “realidades”. É uma criação do sujeito, que assim sente possuir ou quase controlar uma porção da realidade.

Para o polígrafo, a mentira é que é notícia, ou melhor, o acto de mentir, a que Oscar Wilde atribuía a “beleza de dizer não-verdades”.

Porém, apesar de criarmos mentiras, algumas tão prazerosas que nem nos damos verdadeiramente pela sua conta, no íntimo sabemos que a verdade, mesmo que temida, irá impor-se.

O “Outro” irá estar lá para a veicular, expressando-a em verbos ou actos, escrevendo, gritando ou silenciando-se, confrontando ou organizando-se institucionalmente para se esbarrar com a nossa mentira.

Tendo sido fomentadas com propósitos de liberdade e igualitarismo, as redes sociais parecem diabolicamente potencializar a função sádica da mentira sobre este “Outro”, pretendendo assim alcançar um triunfo, um controlo sobre a verdade da realidade do “Outro”, evitando a reversão de uma eventual humilhação.

As características de algumas aplicações virtuais alimentam particularmente a estranha tentação de distorcer ilimitadamente a percepção, as crenças e os valores que a mentira engenhosamente constrói. As redes sociais podem ser usadas para múltiplas actividades, algumas determinantes, extraordinárias e que têm revolucionado as vidas de todos nós. A intencionalidade do seu uso é que é diferenciador.

Todos conhecemos pequenos Trumps, prepotentes no seu mundo, banindo ou desviando-se da verdade incomodativa. Gente pouco sã, ego centrada e habitualmente inofensiva. Parece que através de usos engenhosos das redes sociais conseguem crescer numa virtualidade mentirosa e difícil de delimitar, num exponencial delirante.

Já o assistir à mentira vivenciada de um colectivo furioso e cego, que destrói, mata e invade provoca uma estranheza angustiante e incrédula, de qualidade diferente. Ali a verdade morreu, a verdade do “Outro”, de “Todos Nós”, das nossas percepções e das nossas ideias. Se não há verdade, para quê criar ideias, discuti-las ou combater por elas?

A Verdade morreu…no Capitólio. 

Imagem “A Verdade morreu”, de Francisco de Goya, 1814

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