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Ana Teresa Vale

A Valsa com Bashir

No âmbito do ciclo de cinema “Há um psicanalista na plateia”, foi exibido o filme “A Valsa com Bashir”, a seguir ao qual ocorreu uma conversa interessante entre Maria do Carmo Sousa Lima e Clara Rowland, moderada por João Mendes Ferreira. A conversa versou vários aspetos do filme, mas centrou-se sobretudo no tema do ciclo – O trauma no cinema.

Este é indiscutivelmente um filme sobre o trauma e sobre a possibilidade de elaboração do trauma. Nele, a personagem principal apercebe-se da sua falta de memória acerca de um episódio marcante da sua vida, um recalcamento tão mais impressionante por se tratar de um evento que foi filmado e difundido em todo o mundo – o massacre de Chatila e Sabra, no âmbito da guerra do Líbano dos anos 80.

O filme tem um impacto muito poderoso no espetador porque nos convida a aproximar-nos de um sofrimento atroz, ligado ao genocídio daquele grupo de pessoas que se encontravam num campo para refugiados, numa situação já de si bastante fragilizada. No filme, vamo-nos chegando perto, aos poucos, devagarinho; essa dor vai-se fazendo anunciar e vai-se revelando, por exemplo, na cena surrealista do homem que dança no meio das balas, que pode ser visto como uma representação do sem sentido da guerra; na imagem dos cavalos feridos, a morrer, representando o sofrimento dos inocentes; para chegarmos à imagem de uma mão de uma criança morta que sai dos despojos e do entulho acumulado pelo massacre.

Não há nada de inesperado acerca do que é revelado no final do filme – a imagem das pessoas mortas, que tinha sido recalcada. Mas ainda assim atinge-nos com toda a força de algo inaceitável, indizível e extremamente doloroso. As lágrimas corriam-me pelo rosto abaixo – e aposto que não fui a única a ter essa reação.

Na psicanálise, conhecemos bem todas as forças destrutivas que existem no ser humano e todo o seu potencial mortífero. Mas sempre que nos aproximamos, sempre que entramos em contacto com essa destrutividade, há algo de assustador, terrível, insuportável. Numa época em que tantos movimentos destrutivos se anunciam no mundo, é bom lembrar que não é distorcendo a história, não é criando bodes expiatórios, não é elegendo líderes intolerantes que vamos encontrar saída para a parte destrutiva. Só elaborando os traumas e interligando a parte destrutiva do ser humano com a parte amorosa podemos encontrar um caminho viável para a vida.

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