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A polissemia do feminino: “Paula Rego – Histórias e Segredos”

Paula Rego (PR) foi a mulher-artista escolhida como âncora e simultaneamente gatilho para uma mesa no Congresso da IPA sobre o Feminino, em Londres, em Julho de 2019. Será visualizado o documentário realizado pelo seu filho Nick Willing, cujo título “histórias e segredos”, condensa a mestria genial de PR ao desenhar/pintar histórias que revelam/escondem segredos. E sabendo que todas as histórias contém segredos e qualquer narrativa é uma ficção, os seus quadros mostram espantosas e inquietantes “narrativas figuradas” do feminino.

Agustina Bessa-Luís, irmanada a PR ao pintar literariamente histórias e segredos, dizia: “…nasci adulta, morrerei criança” e escolhe o título “As meninas” para o livro que lhe dedica. Talvez o mais profundo nas duas, seja o desassombro no enfrentamento da esfinge. Não decifram enigmas, mas convocam indiferenciadamente o originário, o quotidiano e o sagrado – “devora-me e eu te decifro” – como fonte de criação.

O filme será o disparador para as plurais e ricas expressões do feminino entrelaçadas na vida – filha, mulher, amante, mãe, artista, imigrante – e na obra – marcada pelo cruzamento com a literatura, o cinema e o teatro, pelas memórias da infância e pelas criaturas fantásticas num universo onírico.

Traduzindo a polissemia contida na palavra feminino, PR parece criar uma “pele artística” para a sua multiplicidade: bissexualidade, infância, igualdade de género, ambiguidade-ambivalência, ativo-passivo, masoquismo-erotismo, submissão-libertação, privado-público, individual-social.

Interpenetram-se as dimensões proto-mentais, sensoriais e pré-verbais em malabarismos e danças de roda, ora harmonizando ora acentuando a ambivalência do paradoxo que é a própria vida. Tal como o Anjo – da guarda ou castigador? – contrapõe sem pudor, o que alguém definiu como a “ternura do grotesco”. A violência e a doçura, a crueza e o humor, contidos no “perverso-polimorfo” da pulsão, ecoam em nós o estranho familiar. O espanto. O encanto.

Os seus quadros-histórias atualizam o conflito estético ao tocarem o originário e inconsciente comum a todos? Ao trazerem à ribalta a “negritude” do feminino? Ao invocar repulsa e atração tal como o inquietante A Origem do Mundo (Courbet, 1866) expondo a genitália feminina, lugar da concepção e do nascimento? A ocultação dos genitais femininos na posição erecta (Milheiro, 2019) terá impulsionado os sentimentos e a dimensão de misteriosidade da humanidade?

De que falamos quando falamos do feminino? Da fêmea (sexo como diferença anatómica), da feminilidade (género influenciado pela cultura) ou do feminino (construção da bissexualidade psíquica)? Será necessário diferenciar o discurso, social ou político, binário feminino-masculino, do da metapsicologia psicanalítica.

Durante o Congresso caminharemos sobre algumas trilhas deste imenso “continente”, do proto-feminino à ambiguidade e à ambivalência e da bissexualidade à construção psíquica do feminino.

Durante o Congresso estará patente, a 30 minutos de Londres, a maior retrospectiva em Inglaterra da obra de PR – Obedience and Defiance. 

Guiadas pelo obscuro e cativante enigma do Feminino, sorrimos gratas pela misteriosa sincronicidade de tempos e espaços e temas e sonhos.

Imagem: Paula Rego – Anjo, 1998, pastel e papel sobre alumínio, 180 x 130 cm. Coleção da artista.

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