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1981 aqui ao lado

2019: A cena tem lugar num jardim, na sala de espera de um hospital, na sala de um infantário, na sala de uma habitação. Os intervenientes são adultos e crianças. As crianças têm a idade de bebé. O bebé faz um gesto na direção do adulto, há uma expectativa de que algo aconteça ali entre os dois. Uma agitação dos braços e das pernas, um balançar na cadeira. O adulto está concentrado no écran de um telemóvel, percebe-se que algo de muito forte o chama para ali e que tudo à sua volta se tornou um cenário. Incluindo o bebé. O bebé agita-se. O adulto olha agora a criança, procura um pequeno peluche que lhe coloca na mão e diz “pronto, pronto”, embala um pouco o ovo e regressa ao écran, percebe-se que algo de muito forte o chama para ali e que tudo à sua volta se tornou de novo um cenário. Incluindo o bebé.

1981: A cena tem lugar na unidade de Desenvolvimento Infantil do Children’s Hospital de Boston. Os intervenientes são adultos e crianças. Suzanne Dixon, Michael Yogman e T. Berry Brazelton realizam o estudo sobre a “situação de rosto imóvel”. A menina de três meses olha a mãe e sorri. A mãe mantém o rosto imóvel. A menina olha para o lado e permanece quieta, com uma expressão facial muito séria. Olha de novo o rosto da mãe, com as sobrancelhas levantadas e os olhos arregalados. Estica ligeiramente os braços e as mãos na direcção da mãe. Sem encontrar resposta, volta a olhar para as mãos, brinca uns segundos com as mãos e olha mais uma vez o rosto materno. Boceja, enquanto os olhos e o rosto se voltam para cima (…) Os seus braços começam a mover-se de forma espasmódica e as extremidades da boca curvam-se para baixo, enquanto os olhos se fecham parcialmente. Vira novamente o rosto para o lado, agarra as mãos, estica as pernas na direção da mãe, curva-se para frente, faz alguns movimentos e olha novamente para o rosto da mãe. Faz uma careta e uma expressão facial mais séria. Por fim retrai-se completamente, encolhendo o corpo e deixando cair a cabeça. Não volta a olhar para a mãe, chupa um dedo, balança a cabeça e olha para os pés. Parece cansada, desamparada e retraída.

O estudo de Boston, amplamente corroborado pela investigação psicanalítica, mostrou a extrema dependência da criança em relação às respostas sintonizadas do adulto. Sabemos como a repetição frequente de um padrão relacional de descontinuidade relacional é responsável por sintomas graves de evitamento, agitação, fragilidade nos movimentos de integração somática e psíquica do bebé e dificuldades nas interações sociais. Se têm vindo a ser amplamente estudados os perigos, tanto no plano físico como emocional, da exposição quotidiana aos dispositivos digitais na infância, é a dependência dos adultos aos écrans que se torna imperativo questionar, quando crianças obcecadas com écrans habitam lado a lado, desde os primeiros meses de vida, com adultos regularmente dessintonizados com a criança.

Imagem: Mark Mellon, Genitrix nº 6

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